Os “veios profundos, invisíveis e subterrâneos” do amor de uma menina ao seu gato torna-se ainda mais manifesto quando ela, para não o acordar depois de um movimento de estiro das patas, “até seu olhar põe na ponta dos pés”: o bichano, assim, pode continuar em descanso, sonhando, talvez, com algum pássaro entre os dentes.
A cena desenrola-se, seguramente, ao redor da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, de onde se pode ver o relevo montanhoso à volta, onde o sol incide, com os seus reflexos a acobrear as águas da lagoa: nesse instantâneo do poeta percebe-se a combinatória de um elenco de fatos naturais a dar coesão a um flagrante de harmonia e encantamento.
J.A.R. – H.C.
Carlito Azevedo
(n. 1961)
Lagoa
Tendo às costas
(como asas pensas que a tarde
abre e fecha) o dorso cobreado da
montanha e os reflexos de cobre da lagoa,
a menina com o gato traduz, à mais que perfeição,
os veios profundos, invisíveis e subterrâneos,
a nos unir a quem amamos, e quando ele lhe
estira sobre o colo as patas ponteadas,
ela, para não acordá-lo, até seu
olhar põe na ponta dos pés.
Lagoa Rodrigo de Freitas
(Félix-Émile Taunay: pintor francês)
Referência:
AZEVEDO, Carlito. Lagoa. In:
__________. Sob a noite física: poemas. Rio de Janeiro, RJ: Sette
Letras, 1997. p. 21.
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