Deparei com o poema abaixo, a evocar o contexto sob o qual um dado poema partiria da mente da poetisa à concretude da página, e me regalei com a forma madura com que Fiama leva à frente o mister de versejar: suas metáforas fluem sem asperezas, originárias da natura, numa alocução que, não fosse por tais modulações, mais se assemelharia a um discorrer de argumentos lógico-racionais, à busca da mantença de uma certa distância entre o sujeito e o objeto de investigação.
Um poema como uma pintura, um passo antes do desfolhar completo de seus ramos, a denotar o estágio das memórias, do amarelo fixado ao solo, tão desconcertante para a voz lírica, que passa a hesitar entre formas “vulgares”, mas “tão diferentes”: preferiria ela fazer menção a “árvores”, a “plátanos”, algo ainda pairando nas alturas – um poema ainda a certa distância do olhar.
J.A.R. – H.C.
Fiama Hasse Pais Brandão
(1938-2007)
A um poema
A meio deste inverno começaram
a cair folhas demais. Um excessivo
tom amarelado nas imagens.
Quando falei em imagem
ia falar de solo. Evitei o
imediato, a palavra mais cromática.
O desfolhar habitual das memórias é
agora mais geral e também mais súbito.
Mas falaria de árvores, de plátanos,
com relativa evidência. Maior
ou menor distância, ou chamar-lhe-ei
rigor evocativo, em nada diminui
sequer no poema a emoção abrupta.
Tão perturbada com a intensa mancha
colorida. Umas passadas hesitantes,
entre formas vulgares e tão diferentes.
A descrição distante. Sobretudo esta
alheada distância em relação a um Poema.
Em: “Âmago II: Nova Natureza”
(1985-1987)
Uma estrada em Saint-Remy
com uma figura feminina
(Vincent van Gogh: pintor holandês)
Referência:
BRANDÃO, Fiama Hasse Pais. A um poema.
In: __________. Três rostos. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, set. 1989.
p. 8. (Coleção ‘Peninsulares / Literatura’; v. 33)
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