Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 4 de julho de 2021

Bruno Greggio - Lírico (O Recurso do Poeta)

A voz lírica intercala-se neste poema de Greggio, primeiramente a própria poesia em discurso direto, depois a palavra de um terceiro que a espreita, seguindo-lhe o tema serpentário, onde, por fim, os olhos do ofídio e do homem incidem numa sinopse de equivalência ôntica, à luz da qual supera-se o modorrento tédio vespertino, transigindo o sonho ao homem.

Às pernas lassas e à pele insensível sobrevém o frêmito suscitado pelo enredar da serpente, um estímulo não letal – pois que figurado, não exatamente vero –, mas que coloca o receptor em estado de suspense, apreensão e estremecimento: a poesia teria o condão de levantar as âncoras do batel, para fazê-lo vibrar nas águas revoltas e fortuitas do inaudito.

J.A.R. – H.C.

 

Bruno Greggio

(n. 1980)

 

Lírico

(O Recurso do Poeta)

 

Eu, essa serpente

que o poeta livra na sala

enquanto os homens, insuspeitos,

digerem a vida entre o sono e a distração.

 

Ela avança

avança por entre pernas lassas

por entre o tédio da tarde,

como uma linha viva,

como um longo poema inaudito

que os envolve

sem pressa

sobre a pele

insensível.

 

E quando o sono trepida,

ela sibila e dança,

e o homem, envolvido,

vê seus olhos nos olhos da serpente

e os olhos da serpente

não são mais os olhos da serpente;

nos olhos da serpente ele vê

o eu e vê a si:

não mais o sono sem cor da tarde,

pois agora o homem

o homem sonha.

 

Homem mordido por uma serpente

(Odd Nerdrum: pintor norueguês)


Referência:

GREGGIO, Bruno. Lírico (O recurso do poeta). In: __________. O recurso do poeta: e outros objetos com palavras. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Ed. do Autor, 2021. p. 24-25.

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