Este poema foi escrito por Rimbaud em uma de suas escapadas à rígida disciplina de sua mãe, no caso, à Bélgica, em meados de outubro de 1870, quando, de fato, adentrou uma pousada de caminhoneiros – transmutada a um cabaré no provocativo soneto em questão – e lá teve contato com uma opulenta garçonete flamenga.
Os fatos se passam sob a paleta decadente de um ambiente qualificável como ‘kitsch’: fachada e móveis verdes, o “colorido” dos pratos e os temas primitivos da tapeçaria. A despeito disso, nota-se, no discurso do falante, certo embevecimento pelas circunstâncias “boêmias”, mesclado a um despertar de excitantes desejos carnais.
J.A.R. – H.C.
Arthur Rimbaud
(1854-1891)
Au Cabaret-Vert
cinq heures du soir
Depuis huit jours, j’avais déchiré mes bottines
Aux cailloux des chemins. J’entrais à Charleroi.
– Au Cabaret-Vert: je demandai des tartines
De beurre et du jambon qui fût à moitié froid.
Bienheureux, j’allongeai les jambes sous la table
Verte: je contemplai les sujets très naïfs
De la tapisserie. – Et ce fut adorable,
Quand la fille aux tétons énormes, aux yeux vifs,
– Celle-là, ce n’est pas un baiser qui l’épeure! –
Rieuse, m’apporta des tartines de beurre,
Du jambon tiède, dans un plat colorié,
Du jambon rose et blanc parfumé d’une gousse
D’ail, – et m’emplit la chope immense, avec sa
mousse
Que dorait un rayon de soleil arriéré.
Octobre 1870
No Cabaré Verde
(Antonio Possenti: pintor italiano)
No Cabaré Verde
às cinco da tarde
Oito dias de estrada, as botas esfoladas
De tanto caminhar. Em Charleroi, desvio:
– Entro no Cabaré Verde: peço torradas
Na manteiga e presunto; que não seja frio.
Despreocupado estiro as pernas sob a mesa
Verde e me esqueço a olhar os temas primitivos
Sobre a tapeçaria. – Adorável surpresa,
A garota de enormes tetas, olhos vivos,
– Essa, não há de ser um beijo que a afugente! –
Rindo, vem me trazer o meu pedido numa
Bandeja multicor: pão com presunto quente,
Presunto rosa e branco aromado de um dente
De alho, e o chope bem gelado, boa espuma,
Que uma réstea de sol doura tardiamente.
Outubro 1870
Referência:
RIMBAUD, Arthur. Au cabaret-vert / No
cabaré verde. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Seleção e
Tradução). Rimbaud livre. Introdução e traduções de Augusto de Campos,
com “iluminações” computadorizadas de Augusto de Campos & Arnaldo Antunes.
2. ed. 1. reimp. São Paulo, SP: Perspectiva, 2002. Em francês: p. 26; em
português: p. 27. (Coleção ‘Signos’)
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