Neste momento íntimo, privado, a poetisa compartilha conosco os instantes em que, nua, banhou-se com as águas colhidas a um rústico poço, perdida em seus pensamentos, vivendo o êxtase do sol tocando-lhe a pele e secando-a por completo, enquanto à volta há uma quietude, apenas entrecortada pelo tênue balir de cabras e eventuais repiques de sinos.
Há tempo de a falante perceber como a água é um elemento vital na natureza e como ela se compraz em senti-la sobre a pele, deleitando-se com os tépidos raios solares: se, por um lado, a água possibilita ao oleandro manter-se onusto boa parte do tempo, repleto de folhas e flores, em razão da proximidade do poço, por outro, a amendoeira não usufrui do mesmo benefício, vendo as suas cascas fendidas sob o abrasivo calor. E segue o dia indiferente a tais “tratamentos” tão díspares: não há como deter o lento giro da terra!
J.A.R. – H.C.
Linda Gregg
(1942-2019)
Glistening
As I pull the bucket from the crude well,
the water changes from dark to a light
more silver than the sun. When I pour it
over my body that is standing in the dust
by the oleander bush, it sparkles easily
in the sunlight with an earnestness like
the spirit close up. The water magnifies
the sun all along the length of it.
Love is not less because of the spirit.
Delight does not make the heart childish.
We thought the blood thinned, our weight
lessened, that our substance was reduced
by simple happiness. The oleander is thick
with leaves and flowers because of spilled
water. Let the spirit marry the heart.
When I return naked to the stone porch,
there is no one to see me glistening.
But I look at the almond tree with its husks
cracking open int he heat. I look down
the whole mountain to the sea. Goats bleating
faintly and sometimes bells. I stand there
a long time with the sun and the quiet,
the earth moving slowly as I dry in the light.
Poço da Vila
(Heinrich Burkel: pintor alemão)
Reluzindo
À medida que puxo o balde do poço desguarnecido,
a água passa de um tom escuro a uma luz
mais prateada que a do sol. Quando
a despejo sobre meu corpo que se queda na poeira,
junto ao arbusto de oleandro, ele brilha facilmente
à luz do sol com uma veemência, como
o espírito em primeiro plano. A água magnifica
o sol em toda a sua extensão.
O amor não é menor em razão do espírito.
O deleite não torna infantil o coração.
Pensávamos que o sangue se diluía, nosso peso
diminuía, que nossa substância se reduzia
pela simples felicidade. O oleandro está copado
de folhas e flores devido à água
derramada. Que o espírito se una ao coração.
Quando retorno nua ao alpendre de pedra,
não há ninguém para me ver reluzindo.
Mas vejo a amendoeira com suas cascas
que se fendem com o calor. Olho para baixo,
pela encosta de toda a montanha até o mar. Cabras
a balir debilmente e às vezes sinos. Permaneço lá
por bastante tempo, com o sol e a quietude,
a terra movendo-se lentamente, enquanto seco à luz.
Referência:
GREGG, Linda. Glistening. In: MAYES,
Frances. The discovery of poetry: a field guide to Reading and writing
poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. XIII.
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