Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 20 de julho de 2021

Malcolm Lowry - Ele gostava dos mortos

Lowry descreve algum conhecido ou amigo nesta décima, um sujeito que já teria criado “anticorpos” contra o amor, não se sentindo à vontade como amante: deleita-se com os mortos em vez dos vivos, e nesse afazer, os elementos da realidade já teriam perdido a sua essência – “a grama não era verde, nem grama”.

A escrita dos últimos dois versos do poema o encerra com um belo efeito: numa elaborada repetição, surgem as imagens da grama, do sol, da rosa – omitida pelo tradutor brasileiro –, do fumo e dos galhos, pormenorizando de modo categórico uma natureza despojada de encantos, na qual submerso o tipo de que se trata.

Apenas como nota: Lowry é o autor do conhecido romance “À sombra do vulcão” (“Under the Volcano”; 1947), no qual se narra o sucedido com Geoffrey Firmin, um cônsul britânico alcoólatra, na pequena cidade mexicana de Quauhnahuac, no “Dia dos Mortos” – 1º de novembro 1938. Ao final, indignamente assassinado, o infratranscrito poema bem que se poderia associar à vida que levava o aludido cônsul!

J.A.R. – H.C.

 

Malcolm Lowry

(1909-1957)

 

He liked the dead

 

VI

 

As the poor end of each dead day drew near

He tried to count the things which he held dear.

No Rupert Brooke (*) and no great lover, he

Remembered little of simplicity:

His soul had never been empty of fear

And he would sell it thrice now for a tarot of beer.

He seemed to have known no love, to have valued dread

Above all human feelings. He liked the dead.

The grass was not green not even grass to him;

Nor was sun, sun; rose, rose; smoke smoke; limb, limb.

 

From: “IV. Songs for second childhood”

in “The Lighthouse invites the storm” (1934-1939)

 

As Folhas Mortas

(Remedios Varo: pintora espanhola)

 

Ele gostava dos mortos

 

VI

 

Ao findar cada dia como finda um cigarro,

procurava avaliar o que lhe era mais caro.

Não sendo um Rupert Brooke, ou o tipo à vontade

como amante, desconhecia a simplicidade:

de medo sua alma nunca esteve destituída

e por uma cerveja hoje seria vendida.

Contra o amor parecia ter criado anticorpos,

não contra o pavor. Ele gostava dos mortos.

Para ele a grama não era verde, nem grama;

nem o sol, sol; o fumo, fumo; a rama, rama.

 

De: “IV. Canções para a segunda infância”

em “O farol convida a tempestade” (1934-1939)

 

(Folhetim, 27.05.84)


Nota:

(*) Rupert Brooke: poeta inglês (1887-1915), bastante conhecido por seus sonetos sobre a guerra (PGM) – na qual veio a falecer tragicamente por septicemia, na batalha de Gallipoli, com apenas 27 anos –, em especial os sonetos da série “1914”.

Referências:

Em Inglês

LOWRY, Malcom. He liked the dead. In: __________. The collected poems of Malcom Lowry. Edited and introduced by Kathleen Scherf with explanatory annotation by Chris Ackerley. Vancouver, CA: UBC Press, 1992. p. 66.

Em Português

LOWRY, Malcolm. Ele gostava dos mortos. Tradução de João Moura Jr. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 143.

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