Estamos a 29.12 e ainda não é a exata hora de se desmontar a árvore de Natal e de se recolher toda a decoração das festas do fim de ano – na forma em que reclama a voz lírica a enunciar o excerto poético abaixo, vale dizer, na terceira parte de um longo Oratório de Natal, intitulado “For the time being” (“Pelo momento”) (1944), dedicado por Auden à memória de sua recém-falecida genitora.
Há nele interessantes injunções psicológicas e filosóficas, em conexão com tradicionais passagens da Natividade, conferindo aos versos um intrépido matiz: trata-se de uma dádiva do poeta aos seus leitores, vivendo, como ele, “o momento mais difícil de todos”, a saber, o tempo presente, um ciclo de desafios e de bênçãos, com duração limitada e porvir alimentado pela fé.
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
Well, so that is that. Now we must
dismantle the tree,
Putting the decorations back into their cardboard
boxes –
Some have got broken – and carrying them up to the
attic.
The holly and the mistletoe must be taken down and
burnt,
And the children got ready for school. There are
enough
Left-overs to do, warmed-up, for the rest of the
week –
Not that we have much appetite, having drunk such a
lot,
Stayed up so late, attempted – quite unsuccessfully
–
To love all of our relatives, and in general
Grossly overestimated our powers. Once again
As in previous years we have seen the actual Vision
and failed
To do more than entertain it as an agreeable
Possibility, once again we have sent Him away,
Begging though to remain His disobedient servant,
The promising child who cannot keep His word for
long.
The Christmas Feast is already a fading memory,
And already the mind begins to be vaguely aware
Of an unpleasant whiff of apprehension at the
thought
Of Lent and Good Friday which cannot, after all,
now
Be very far off. But, for the time being, here we
all are,
Back in the moderate Aristotelian city
Of darning and the Eight-Fifteen, where Euclid’s
geometry
And Newton’s mechanics would account for our
experience,
And the kitchen table exists because I scrub it.
It seems to have shrunk during the holidays. The
streets
Are much narrower than we remembered; we had forgotten
The office was as depressing as this. To those who
have seen
The Child, however dimly, however incredulously,
The Time Being is, in a sense, the most trying time
of all.
For the innocent children who whispered so
excitedly
Outside the locked door where they knew the
presents to be
Grew up when it opened. Now, recollecting that
moment
We can repress the joy, but the guilt remains
conscious;
Remembering the stable where for once in our lives
Everything became a You and nothing was an It.
And craving the sensation but ignoring the cause,
We look round for something, no matter what, to
inhibit
Our self-reflection, and the obvious thing for that
purpose
Would be some great suffering. So, once we have met
the Son,
We are tempted ever after to pray to the Father;
“Lead us into temptation and evil for our sake.”
They will come, all right, don’t worry; probably in
a form
That we do not expect, and certainly with a force
More dreadful than we can imagine. In the meantime
There are bills to be paid, machines to keep in
repair,
Irregular verbs to learn, the Time Being to redeem
From insignificance. The happy morning is over,
The night of agony still to come; the time is noon:
When the Spirit must practice his scales of
rejoicing
Without even a hostile audience, and the Soul
endure
A silence that is neither for nor against her faith
That God’s Will will be done, that, in spite of her
prayers,
God will cheat no one, not even the world of its
triumph.
Véspera do Ano Novo
(Grigory Sokolovsky: pintor ucraniano)
Excerto de “Pelo momento”
Bem, isso é tudo. Agora devemos
desmontar a árvore,
Repor os adornos em suas caixas de papelão –
Alguns foram avariados – e carregá-los para o
sótão.
O azevinho e o visco devem ser retirados e
queimados,
E as crianças prepararem-se para a escola. Há
sobras
Suficientes a guarnecer, aquecidas, pelo resto da
semana –
Não que tenhamos muito apetite, tendo bebido tanto,
Ficado acordados até tarde, tentado – sem êxito –
Amar todos os nossos familiares e, em geral,
Superestimado grosseiramente nossos poderes. Uma
vez mais,
Como nos anos anteriores, contemplamos a verdadeira
Visão
E não conseguimos mais que considerá-la uma
agradável
Possibilidade, mais uma vez mandamo-Lo embora,
Rogando-Lhe, porém, para seguir como Seu
desobediente servo,
A promitente criança incapaz de sempre cumprir Sua
palavra.
As Festas do Natal já são memórias em
desvanecimento,
E logo a mente começa a estar vagamente consciente
De uma desagradável lufada de apreensão, ao refletir
sobre
A Quaresma e a Sexta-Feira Santa, as quais agora,
afinal,
Tão longe não distam. Mas, por enquanto, aqui
estamos todos,
De volta à moderada cidade aristotélica da
reparação e aos
Oitocentos e Quinze, época em que a geometria de
Euclides
E a mecânica de Newton dariam conta de nossa
experiência,
E da existência da mesa da cozinha, uma vez que a
esfrego.
Parece que houve contração durante as férias. As
ruas
São bem mais estreitas do que lembrávamos; tínhamos
Esquecido de que o escritório era assim tão
deprimente. Aos
Que viram o Menino, por mais vago e incrédulo que
seja,
O Tempo Presente é, de certa forma, o mais difícil
de todos.
Pois as inocentes crianças que tão excitadamente
sussurravam
Por trás da porta trancada, onde sabiam estar os
presentes,
Cresceram quando ela se abriu. Agora, evocando o
momento,
Podemos reprimir a alegria, mas a culpa
subsiste-nos consciente;
Recordando o estábulo onde, por uma vez em nossas
vidas,
Tudo se converteu em um Tu e coisa alguma era o
Outro.
E ansiando pela sensação, embora a ignorar a causa,
Buscamos algo ao redor, não importa o que aconteça,
para inibir
Nossa autorreflexão, e um móbil óbvio para tal
propósito
Seria um grande sofrimento. Assim, conhecendo o
Filho,
Somos doravante tentados a suplicar ao Pai:
“Conduze-nos à tentação e ao mal, pelo nosso bem”.
Eles virão, tudo certo, não se aflijam; porventura em
uma forma
Que não aguardamos, e certamente com uma força
Mais espantosa do que a podemos imaginar. Nesse
ínterim,
Há contas a pagar, máquinas que prosseguem em
reparos,
Verbos irregulares a aprender, o Tempo Presente a
redimir
Da insignificância. A manhã feliz chegou a termo,
A noite da agonia ainda por vir; é o ápice do meio-dia:
Quando o Espírito deve pôr em prática suas escalas
de júbilo,
Mesmo sem uma audiência hostil, e a Alma suportar
Um silêncio, que não é nem a favor nem contra a sua
fé,
De que se fará a Vontade de Deus; de que, malgrado
seus rogos,
Deus não enganará ninguém, nem mesmo, de seu
triunfo, o mundo.
Referência:
AUDEN,
W. H. From “For the time being”. In: HOLLANDER, John;
McCLATCHY, J. D. (Sel. & Ed.). Christmas poems. New York, NY: Alfred
A. Knopf, 1999. p. 221-223. (‘Everyman’s Library: Pocket Poets’)
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