A contrastar a exuberância visual da decoração natalina em Hollywood − embora sem a presença festiva dos miúdos −, com a esfuziante e barulhenta alegria destes em um país distante – provavelmente o Brasil –, a poetisa enfatiza a ideia de que, nas sociedades de consumo – como a norte-americana –, a concepção de um Deus-Menino entre os homens já nasce morta.
De um lado, tem-se a manifestação expansiva de um modo de ser vocacionado a demonstrar meios e pompa, para tentar preencher − quem sabe? − um vazio d’alma. De outro, nem tudo o que reluz é ouro – muitas vezes, nem dourado é! −, mais importando o enlace de espírito, de fraternidade e de amizade tendo como centro irradiador a figura daquele que, em breve, pousará numa manjedoura.
J.A.R. – H.C.
Gilka Machado
(1893-1980)
Noite de Natal em Hollywood
Fulguram frutos de eletricidade
em filas de árvores, a cidade
é um espetáculo sem igual!
Meus olhos erram, cheios de pasmo,
procurando o alvoroço, a alegria, o entusiasmo
do cenográfico Natal.
Em cada casa uma árvore fulgura;
cada rua é de luzes um jardim;
mas não vejo uma só pequenina criatura,
e que anseio de infância, de candura,
no deserto que há em mim!
Os anjos donos desta festa
onde estarão?
E estes inúmeros automóveis,
sempre em desfile,
aonde irão?
E estas frondes luminosas
por que cintilam inutilmente
na solidão?
Minha alma se transporta
ao Natal mais feliz,
de um longínquo país,
onde míseras crianças
brincam felizes nas escuras ruas,
ricas de liberdade e de esperanças.
E meu olhar se nubla
em meio ao luxo inteiramente vão
desta fantástica iluminação.
Pobre cidade, assim, sem vida,
és uma festa interrompida,
uma suspensa celebração.
Hollywood fulge e cega-me a tristeza;
Hollywood fulge como um fúnebre horto;
e sonho, oculto na urbe acesa,
um Deus-Menino que nasceu morto.
À espera do Natal
(Robert Finale: artista cubano)
Referência:
MACHADO,
Gilka. Noite de Natal em Hollywood. In: __________. Poesias completas.
Rio de Janeiro, RJ: Cátedra; Brasília, DF: INL, 1978. p. 254-255.
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