Enquanto verte ao português alguns poemas de Sylvia Plath (1932-1963), o autor e tradutor brasileiro grafa, também em versos, as sensações que lhe chegam, em razão do que experimenta, excogita e depreende das linhas lavradas pela poetisa norte-americana − expressão de uma vida em equilíbrio instável, flamejando em arrebatamentos.
Para bem se apreender os versos de Félix de Sousa, há de se ter, necessariamente, ciência de episódios da biografia de Plath, que culminaram com o seu suicídio em Londres (EN), em 11.2.1963: a respeito, há um belo trabalho de coleta documental, interpretação e refinada escrita sobre o tema, de autoria da jornalista Janet Malcolm (n. 1934), intitulado “A mulher calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia” (“The silente woman: Sylvia Plath & Ted Hughes”), de 1994, traduzido no Brasil por Sergio Flaksman, para a Editora Companhia de Bolso.
J.A.R. – H.C.
Afonso Félix de Sousa
(1925-2002)
Tardia Elegia para Sylvia Plath
Sem bater à porta
chego à soleira
do teu delírio
Sem lira ou lírio
feito um verme faminto
me adentro por teus olhos
e roubo e roo
visões que se desfazem
e se refazem
e te apavoram
e te alimentam
enquanto vão te lambendo
as línguas geladas
da morte
Línguas do inferno
oh the tongues of hell
Traduzo-te as palavras
e o que há por trás das tuas
palavras
(What does it mean?)
e sinto-te bela
como se te estivesse entrevendo
numa rua de Londres
no outono
de mil novecentos
e cinquenta e nove
e próxima
como se nos amássemos
há três dias
há três noites
há milênios
Enquanto te traduzo
línguas do inferno
chegam às soleiras
do coração
da mente
Querem lamber-me
e queima-me a tua febre
e molha-me o suor
de tua pele
e tudo o que vês e deixas
de ver
e eu vejo
de dentro de teus olhos
vai-se cobrindo
das cinzas de Hiroshima
À volta da aldeia
(Georges Seurat: pintor francês)
Referência:
FÉLIX DE SOUSA, Afonso. Tardia elegia
para Sylvia Plath. In: __________. Quinquagésima hora & Horas
anteriores: poesia. Rio de Janeiro, RJ: Philobibblion & Rio Arte, 1987.
p. 25-26. (Coleção ‘Cavalo Azul’; v. 1)
Muito bom!!
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