Muito embora, talvez, não seja exatamente o sentido último do presente poema, seus versos, de qualquer forma, levaram-me a associá-lo a muitas das exortações budistas para que não nos percamos nas desilusões suscitadas pela dualidade das coisas, deixando-nos levar pelas ilimitáveis circunstâncias, tantas quantas as despertadas pelos nossos insistentes jogos mentais.
Se a constante mudança configura o quadro deste mundo de aparências, como fugir dessa fugacidade e abraçar a essência perdurável das coisas? Dúvida premente, para a qual os estoicos propõem não se deixar dominar pelas lembranças do que se viveu – boas ou más −, tampouco antegozar o futuro, mas acolher com a mente isenta e tranquila aquilo que se nos apresentar no quotidiano.
J.A.R. – H.C.
Affonso Romano de Sant’Anna
(n. 1937)
Misterioso Conjunto
Me defino como un hombre razonable
no como professor iluminado
ni como vate que lo sabe todo.
Nicanor Parra
Não sei muitas coisas.
Às perguntas que minhas filhas fazem
respondo com dificuldade.
Por isto há tempos fujo
da verdade cega e absoluta e admito
certa equivalência
entre o que afirmo
e o outro nega.
Separados ou juntos
somos apenas parte
de um misterioso conjunto.
Está cheia de vazios e elipses a nossa fala.
Por nós uma luz cortante passa
nos diversifica
e se dispersa nos objetos mínimos da sala.
Lot e suas filhas
(Artemisia Gentileschi: pintora italiana)
Referência:
SANT’ANNA, Affonso Romano de.
Misterioso conjunto. In: __________. Vestígios. Rio de Janeiro, RJ:
Rocco, 2005. p. 7.
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