Por meio deste soneto do poeta lusitano, hoje damos início às postagens com temática natalina e de ano novo: com efeito, o ente lírico primeiramente evoca a visitação do anjo Gabriel a Maria, a anunciar-lhe que daria à luz um filho, Jesus (Lucas: 1, 26-38), para, logo depois, num giro de pena, convolar o tema a si próprio, no sentido de que jamais recebera qualquer sinal – como no caso da estrela que guiou os magos até a gruta do nascimento − que desse rota segura ao seu próprio fado.
Um aspecto importante a se levar em conta é o título aposto pelo poeta ao soneto, a dar maior amplitude ao escopo do poema: o termo “Visitação”, por conexão às Escrituras, associa-se ao episódio da visita de Maria, já à espera do filho, à sua prima Isabel, mais adiantada em idade e que, igualmente, estava perto de dar à luz João Batista.
Pergunta-se Reinaldo, então, diante desse céu sem vislumbres orientadores, se não vê tais sinais porque é impuro ou se, pelo contrário, é impuro porque não os vê: a par o sentido de transparência, virtude e integridade que os versos expressam, as inferências do leitor levam-no a presumir que o poeta esteja a conjecturar sobre a insuficiência de sua fé, em correlação com o seu espírito erradio.
J.A.R. – H.C.
Reinaldo Ferreira
(1922-1959)
Visitação
Que é do anjo das asas rutilantes
Com que lutou Jacob, na madrugada?
Que é desse outro, de falas sussurrantes,
Que surgiu a Maria, a fecundada,
Tão casta e sem pecado como dantes?
Que é da estrela, pela mão de Deus lançada
A guiar os incertos caminhantes
Ao colmo da cabana consagrada?
Onde estão os sinais que Deus envia?
Onde estão, que os procuro noite e dia
Sem nunca ver cumprido o meu desejo?
Não os vejo e não sei se eu, que os procuro,
Os não encontro porque sou impuro,
Ou sou impuro porque os não vejo.
A Visitação
(Rembrandt van Rijn: pintor holandês)
Referência:
FERREIRA, Reinaldo. Visitação. In:
__________. Poemas. Prefácio de José Régio. 2. ed. Lisboa, PT:
Portugália, mai.1966. p. 102. (Coleção ‘Poetas de Hoje’; v. 21)
Nenhum comentário:
Postar um comentário