Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Reinaldo Ferreira - Visitação

Por meio deste soneto do poeta lusitano, hoje damos início às postagens com temática natalina e de ano novo: com efeito, o ente lírico primeiramente evoca a visitação do anjo Gabriel a Maria, a anunciar-lhe que daria à luz um filho, Jesus (Lucas: 1, 26-38), para, logo depois, num giro de pena, convolar o tema  a si próprio, no sentido de que jamais recebera qualquer sinal – como no caso da estrela que guiou os magos até a gruta do nascimento − que desse rota segura ao seu próprio fado.

Um aspecto importante a se levar em conta é o título aposto pelo poeta ao soneto, a dar maior amplitude ao escopo do poema: o termo “Visitação”, por conexão às Escrituras, associa-se ao episódio da visita de Maria, já à espera do filho, à sua prima Isabel, mais adiantada em idade e que, igualmente, estava perto de dar à luz João Batista.

Pergunta-se Reinaldo, então, diante desse céu sem vislumbres orientadores, se não vê tais sinais porque é impuro ou se, pelo contrário, é impuro porque não os vê: a par o sentido de transparência, virtude e integridade que os versos expressam, as inferências do leitor levam-no a presumir que o poeta esteja a conjecturar sobre a insuficiência de sua fé, em correlação com o seu espírito erradio.

J.A.R. – H.C.

Reinaldo Ferreira

(1922-1959)

 

Visitação

 

Que é do anjo das asas rutilantes

Com que lutou Jacob, na madrugada?

Que é desse outro, de falas sussurrantes,

Que surgiu a Maria, a fecundada,

 

Tão casta e sem pecado como dantes?

Que é da estrela, pela mão de Deus lançada

A guiar os incertos caminhantes

Ao colmo da cabana consagrada?

 

Onde estão os sinais que Deus envia?

Onde estão, que os procuro noite e dia

Sem nunca ver cumprido o meu desejo?

 

Não os vejo e não sei se eu, que os procuro,

Os não encontro porque sou impuro,

Ou sou impuro porque os não vejo.

 

A Visitação

(Rembrandt van Rijn: pintor holandês)


Referência:

FERREIRA, Reinaldo. Visitação. In: __________. Poemas. Prefácio de José Régio. 2. ed. Lisboa, PT: Portugália, mai.1966. p. 102. (Coleção ‘Poetas de Hoje’; v. 21)

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