Não há que se entrar em controvérsias sobre o fato de que a época do Natal é uma quadra mais de sentimentos do que de compreensão ponderada à luz da lógica ou da razão: é por isso que o poeta estende os efeitos dessa sensibilidade aflorada ao próprio peru que, já sem vida e recheado, vai lhe ornar o espaço à mesa da ceia natalina, de quem se ouviria um subentendido “gluglu sentimental”.
Transcorrido mais um ano, segundo Teles, todos sentiriam a pressão do tempo em suas vidas, motivo por que se precipitariam em esquadrinhar aquilo que ressoa a urgência da existência, trazendo o que já longe vai para mais perto: brinquedos, nozes e aquela alegria incontida do tempo de infância.
J.A.R. –
H.C.
Peru de Natal
Quando se avizinha o Natal,
a vizinha põe uns enfeites na porta
e a avezinha que fez ninho no ar refrigerado
foge desesperada do verão.
Não é apenas com intuito comercial
que as lojas se vestem de cores e de luzes,
nem por simples consumismo que se gasta
doidamente o décimo-terceiro.
Por detrás de cada coisa adquirida
existe a música do Tempo ressoando
nos brinquedos, nas nozes e na alegria
de se saber mais próximo de tudo.
Os homens sentem o peso dos relógios
e sabem que é preciso investir mais na vida:
desconfiam que os sinos sempre anunciam
mais um segundo da Eternidade.
Daí porque um sujeito desconfiado
como eu fica arredio no Natal:
é que até o peru, mesmo recheado,
tem lá o seu gluglu sentimental.
Referência:
TELES, Gilberto Mendonça. Peru
de Natal. In: __________. Hora aberta: poemas reunidos. Organização
Eliane Vasconcelos. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 60-61.
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