Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 26 de dezembro de 2020

Nuno de Sampayo - A Adoração dos Pastores

Neste poema do autor português (1925-2005), a voz lírica, identificada com um dos pastores que presenciaram a cena do nascimento de Cristo, vem a oferecer-lhe toda a vasta terra onde são apascentadas as suas ovelhas, ao largo do “burgo solitário” onde a criança nascera, na temporada mesma do solstício de Verão − quando a constelação de Orion rebrilha mais distinta e áurea.

São dois universos contrastantes: o dos pastores – muito preso à dura lida de seu ofício, a passar noites em branco na guarda de rebanhos inteiros em áreas ilimitadas; e o do recém-nascido – um espírito de luz, com força para engendrar mudanças na conduta dos homens e impor um “deserto” à margem do que não se identifica pela unidade com o divino.

J.A.R. – H.C.

A Adoração dos Pastores

(Rembrandt: pintor holandês)

 

A Adoração dos Pastores

 

Viemos de longe, em oração, viemos de longe

Saudar o Teu amanhecer, ó Cheio de Destino!

Trazemos-Te a terra, a grande terra, a terra simples

Onde Orion volta com o solstício de Verão

E as gazelas vagueiam nas clareiras chuvosas.

Só isto Te trazemos, porque só isto é nosso,

Mas isto é belo e doce como as donzelas e os rebanhos.

Tudo se extingue, ó Madrugada!, tudo se extingue

Na nossa cidade quando a visitas suavemente.

Por que é que a Tua grandeza nos penetra

Tão profundamente que nem nos reconhecemos?

Por que é que nos dás um pouco do Teu mundo

E nos fazes perder um grande país orvalhado?

Ah! este burgo solitário não é o nosso burgo

E esta noite branca não é a nossa noite!

Talvez existissem no mais profundo do nosso ser,

Mas são-nos estranhos e às vezes tão penosos!

Só Te compreendemos assim claro como os lagos

Onde nos reflectimos como carvalhos verdes

E vemos a catedral desabrochar como uma rosa,

Enquanto Orion vem magnífico e sumptuoso

Coroar a noite com os seus florões de ouro.

 

Em: “A Orla e o Tempo” (1956)


A Adoração dos Pastores

(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

 

Referência:

SAMPAYO, Nuno de. A adoração dos pastores. In: SENA, Jorge de (Selecção, Prefácio e Notas). Líricas portuguesas: 3ª série. Lisboa, PT: Portugália, nov. 1958. p. 414. (‘Antologias Universais’; Poesia V: Líricas Portuguesas III)

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