Neste poema do autor português (1925-2005), a voz lírica, identificada com um dos pastores que presenciaram a cena do nascimento de Cristo, vem a oferecer-lhe toda a vasta terra onde são apascentadas as suas ovelhas, ao largo do “burgo solitário” onde a criança nascera, na temporada mesma do solstício de Verão − quando a constelação de Orion rebrilha mais distinta e áurea.
São dois universos contrastantes: o dos pastores – muito preso à dura lida de seu ofício, a passar noites em branco na guarda de rebanhos inteiros em áreas ilimitadas; e o do recém-nascido – um espírito de luz, com força para engendrar mudanças na conduta dos homens e impor um “deserto” à margem do que não se identifica pela unidade com o divino.
J.A.R. – H.C.
A Adoração dos Pastores
(Rembrandt: pintor holandês)
A Adoração dos Pastores
Viemos de longe, em oração, viemos de longe
Saudar o Teu amanhecer, ó Cheio de Destino!
Trazemos-Te a terra, a grande terra, a terra
simples
Onde Orion volta com o solstício de Verão
E as gazelas vagueiam nas clareiras chuvosas.
Só isto Te trazemos, porque só isto é nosso,
Mas isto é belo e doce como as donzelas e os
rebanhos.
Tudo se extingue, ó Madrugada!, tudo se extingue
Na nossa cidade quando a visitas suavemente.
Por que é que a Tua grandeza nos penetra
Tão profundamente que nem nos reconhecemos?
Por que é que nos dás um pouco do Teu mundo
E nos fazes perder um grande país orvalhado?
Ah! este burgo solitário não é o nosso burgo
E esta noite branca não é a nossa noite!
Talvez existissem no mais profundo do nosso ser,
Mas são-nos estranhos e às vezes tão penosos!
Só Te compreendemos assim claro como os lagos
Onde nos reflectimos como carvalhos verdes
E vemos a catedral desabrochar como uma rosa,
Enquanto Orion vem magnífico e sumptuoso
Coroar a noite com os seus florões de ouro.
Em: “A Orla e o Tempo” (1956)
A Adoração dos Pastores
(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)
Referência:
SAMPAYO, Nuno de. A adoração dos pastores.
In: SENA, Jorge de (Selecção, Prefácio e Notas). Líricas portuguesas: 3ª
série. Lisboa, PT: Portugália, nov. 1958. p. 414. (‘Antologias Universais’;
Poesia V: Líricas Portuguesas III)
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