O poeta espanhol, numa dicção densa e elegíaca, despede-se de 1936, ano particularmente trágico e desolador para os seus conterrâneos, pois que marcou o início dos conflitos da Guerra Civil Espanhola (jul.1936 – abr.1939), deixando, por toda parte, rastros de sangue e morte, as cidades devastadas e os campos abandonados.
A par de tais dissabores, percebe-se que o poeta não deixa de vislumbrar, em favor de seu país, a expectativa de que tamanhas “jornadas turbulentas” sejam capazes de varrer a melancolia que a tudo assola, trazendo liberdade aos mortos, ao mesmo tempo que esperança aos vivos, para que possam superar suas mazelas.
J.A.R. – H.C.
Juan Gil-Albert
(1904-1994)
Despedida de un año: 1936
Dentro de breves horas
habrás partido para siempre,
como un barco fantasma que se aleja
hacia el confín sin árboles
donde la tierra pierde sus dominios.
Soltarás las amarras
sacudido por una tempestad imprevista,
y lanzando un silencio ensordecedor
irás a buscar esa teoria del tiempo
que aclamará tu llegada inmortal,
con los ojos pávidos
por el horror de tu vida reciente.
Eres aún el halo que se escapa de nuestras bocas,
el impalpable curador de las heridas.
Unas horas tan solo y no serás
este delgado aire que evaporan los ríos,
el día venidero que asiste a las penosas realidades
tendido en muelles huertos,
ni tu nombre designará
a la inmensa muchedumbre que se agita
por el suelo encrespado.
(Oh tiempo, pronto a despeñarse sobre el abismo!
Tus colmadas bodegas de sangre,
las víctimas inmoladas en tu seno,
las hecatombes que ahogan tu garganta
con un crudo espesor de humo negro,
dejan de ser la vida encarnizada,
pasan a ser los hechos,
y un sutil resplandor los alumbra
cuando tus pies ligeros
dan el postrero paso decisivo
al final de los montes.
Loor a ti, demoledor insensible,
por cuyas jornadas turbulentas
la intensa melancolia coronada de adormideras
huye gimiendo al son de las ruinas.
Loor a ti, que has sabido dejar como libre
el parado corazón de los hombres.
Tu definitiva noche se cierne sobre la tierra,
y los luchadores en las frias avanzadas
por segunda vez te piensan
como un ser mágico que ahora se desvanece
arrancando de la realidad
una última vagoneta de cadáveres.
Loor a ti, sin embargo,
que con espada de fuego y pecho de piedra,
asistirás en el umbral
a esta era en que mi país
inicia su esperanza de continuidad
sobre sus campos abandonados,
sobre sus ciudades deshechas.
Guernica
(Pablo Picasso: pintor espanhol)
Despedida de um ano: 1936
Dentro de breves horas
terás partido para sempre,
como um navio fantasma que se afasta
até o confim sem árvores,
onde a terra perde seus domínios.
Soltarás as amarras,
sacudido por uma tempestade imprevista,
e, lançando um silêncio ensurdecedor,
irás em busca daquela teoria do tempo
que saudará tua chegada imortal,
com os olhos pávidos
pelo horror de tua vida recente.
És ainda o halo que escapa de nossas bocas,
o impalpável curador das feridas.
Tão apenas algumas horas e não serás
este ar rarefeito que os rios evaporam,
o dia vindouro que assiste às penosas realidades,
estendido em aprazíveis hortos,
nem teu nome designará
a imensa multidão que se agita
pelo solo encrespado.
Oh tempo, pronto para precipitar-se no abismo!
Teus porões repletos de sangue,
as vítimas imoladas em teu seio,
as hecatombes que sufocam tua garganta
com uma crua espessura de fumaça negra,
deixam de ser a vida encarniçada,
passam a ser os fatos,
e um sutil esplendor os ilumina
quando os teus pés lépidos
dão o derradeiro passo decisivo,
ao final das montanhas.
Louvores a ti, demolidor insensível,
por cujas jornadas turbulentas
a intensa melancolia, coroada de papoulas,
foge gemendo ao som das ruínas.
Louvores a ti, que soubeste como libertar
o parado coração dos homens.
Tua definitiva noite assoma sobre a terra,
e os combatentes, nos postos avançados,
pela segunda vez pensam em ti
como um ser mágico que agora se desvanece,
arrancando da realidade
um último vagão de cadáveres.
Louvores a ti, seja como for,
que com espada de fogo e peito de pedra,
assistirás no umbral
a esta era em que meu país
inicia sua esperança de continuidade
sobre seus campos abandonados,
sobre suas cidades desfeitas.
Referência:
GIL-ALBERT,
Juan. Despedida de un año: 1936. In: __________. Primera obra poética: 1936-1938.
Prólogo y bibliografía por Pedro J. de la Peña. Valencia, ES: Consell Valencià
de Cultura, mar.1996. p. 167-168. (Col.lecció ‘Els Quatre Vents’)
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