Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Juan Gil-Albert - Despedida de um ano: 1936

O poeta espanhol, numa dicção densa e elegíaca, despede-se de 1936, ano particularmente trágico e desolador para os seus conterrâneos, pois que marcou o início dos conflitos da Guerra Civil Espanhola (jul.1936 – abr.1939), deixando, por toda parte, rastros de sangue e morte, as cidades devastadas e os campos abandonados.

A par de tais dissabores, percebe-se que o poeta não deixa de vislumbrar, em favor de seu país, a expectativa de que tamanhas “jornadas turbulentas” sejam capazes de varrer a melancolia que a tudo assola, trazendo liberdade aos mortos, ao mesmo tempo que esperança aos vivos, para que possam superar suas mazelas.

J.A.R. – H.C.

 

Juan Gil-Albert

(1904-1994)

 

Despedida de un año: 1936

 

Dentro de breves horas

habrás partido para siempre,

como un barco fantasma que se aleja

hacia el confín sin árboles

donde la tierra pierde sus dominios.

Soltarás las amarras

sacudido por una tempestad imprevista,

y lanzando un silencio ensordecedor

irás a buscar esa teoria del tiempo

que aclamará tu llegada inmortal,

con los ojos pávidos

por el horror de tu vida reciente.

Eres aún el halo que se escapa de nuestras bocas,

el impalpable curador de las heridas.

Unas horas tan solo y no serás

este delgado aire que evaporan los ríos,

el día venidero que asiste a las penosas realidades

tendido en muelles huertos,

ni tu nombre designará

a la inmensa muchedumbre que se agita

por el suelo encrespado.

(Oh tiempo, pronto a despeñarse sobre el abismo!

Tus colmadas bodegas de sangre,

las víctimas inmoladas en tu seno,

las hecatombes que ahogan tu garganta

con un crudo espesor de humo negro,

dejan de ser la vida encarnizada,

pasan a ser los hechos,

y un sutil resplandor los alumbra

cuando tus pies ligeros

dan el postrero paso decisivo

al final de los montes.

Loor a ti, demoledor insensible,

por cuyas jornadas turbulentas

la intensa melancolia coronada de adormideras

huye gimiendo al son de las ruinas.

Loor a ti, que has sabido dejar como libre

el parado corazón de los hombres.

Tu definitiva noche se cierne sobre la tierra,

y los luchadores en las frias avanzadas

por segunda vez te piensan

como un ser mágico que ahora se desvanece

arrancando de la realidad

una última vagoneta de cadáveres.

Loor a ti, sin embargo,

que con espada de fuego y pecho de piedra,

asistirás en el umbral

a esta era en que mi país

inicia su esperanza de continuidad

sobre sus campos abandonados,

sobre sus ciudades deshechas.

 

Guernica

(Pablo Picasso: pintor espanhol)

 

Despedida de um ano: 1936

 

Dentro de breves horas

terás partido para sempre,

como um navio fantasma que se afasta

até o confim sem árvores,

onde a terra perde seus domínios.

Soltarás as amarras,

sacudido por uma tempestade imprevista,

e, lançando um silêncio ensurdecedor,

irás em busca daquela teoria do tempo

que saudará tua chegada imortal,

com os olhos pávidos

pelo horror de tua vida recente.

És ainda o halo que escapa de nossas bocas,

o impalpável curador das feridas.

Tão apenas algumas horas e não serás

este ar rarefeito que os rios evaporam,

o dia vindouro que assiste às penosas realidades,

estendido em aprazíveis hortos,

nem teu nome designará

a imensa multidão que se agita

pelo solo encrespado.

Oh tempo, pronto para precipitar-se no abismo!

Teus porões repletos de sangue,

as vítimas imoladas em teu seio,

as hecatombes que sufocam tua garganta

com uma crua espessura de fumaça negra,

deixam de ser a vida encarniçada,

passam a ser os fatos,

e um sutil esplendor os ilumina

quando os teus pés lépidos

dão o derradeiro passo decisivo,

ao final das montanhas.

Louvores a ti, demolidor insensível,

por cujas jornadas turbulentas

a intensa melancolia, coroada de papoulas,

foge gemendo ao som das ruínas.

Louvores a ti, que soubeste como libertar

o parado coração dos homens.

Tua definitiva noite assoma sobre a terra,

e os combatentes, nos postos avançados,

pela segunda vez pensam em ti

como um ser mágico que agora se desvanece,

arrancando da realidade

um último vagão de cadáveres.

Louvores a ti, seja como for,

que com espada de fogo e peito de pedra,

assistirás no umbral

a esta era em que meu país

inicia sua esperança de continuidade

sobre seus campos abandonados,

sobre suas cidades desfeitas.


Referência:

GIL-ALBERT, Juan. Despedida de un año: 1936. In: __________. Primera obra poética: 1936-1938. Prólogo y bibliografía por Pedro J. de la Peña. Valencia, ES: Consell Valencià de Cultura, mar.1996. p. 167-168. (Col.lecció ‘Els Quatre Vents’)

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