Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Álvaro Feijó - Natal

Num paralelo com a situação de crianças que nasceram de pais desprovidos de maiores recursos, o poeta nos deslinda o áspero futuro que as espera, muitas vezes tendo suprimidas as fantasias de infância, para de imediato entrarem num mercado de trabalho forçado − não havendo autor algum a habilitar-se para redigir a biografia de tal inglória história de vida.

O enredo, nos dia de hoje, aplica-se bem mais a Pindorama do que às terras lusitanas: milhares de crianças nascem sem ter a mínima provisão para suas necessidades básicas, tampouco para torná-las o gérmen de um país melhor, uma vez que à margem de uma educação fundamental de qualidade ou mesmo de cuidados relacionados à preservação de um estado equilibrado de saúde.

J.A.R. – H.C.

Álvaro Feijó

(1916-1941)

 

Natal

 

Nasceu.

Foi numa cama de folhelho,

entre lençóis de estopa suja,

num pardieiro velho.

Trinta horas depois a mãe pegou na enxada

e foi roçar nas bordas dos caminhos

manadas de ervas

para a ovelha triste.

E a criança ficou no pardieiro

só com o fumo negro das paredes

e o crepitar do fogo,

enroscada num cesto vindimeiro,

que não havia berço

naquela casa.

E ninguém conta a história do menino

que não teve

nem magos a adorá-lo,

nem vacas a aquecê-lo,

mas que há-de ter

muitos Reis da Judeia a persegui-lo;

que não terá coroas de espinhos

mas coroa de baionetas,

postas até ao fundo

do seu corpo.

Ninguém há-de contar a história do menino.

Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.

 

Garoto a recolher folhas de tabaco

(Autoria desconhecida)


Referência:

FEIJÓ, Álvaro. Natal. In: SENA, Jorge de (Selecção, Prefácio e Notas). Líricas portuguesas: 3ª série. Lisboa, PT: Portugália, nov. 1958. p. 232. (‘Antologias Universais’; Poesia V: Líricas Portuguesas III)

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