Num paralelo com a situação de crianças que nasceram de pais desprovidos de maiores recursos, o poeta nos deslinda o áspero futuro que as espera, muitas vezes tendo suprimidas as fantasias de infância, para de imediato entrarem num mercado de trabalho forçado − não havendo autor algum a habilitar-se para redigir a biografia de tal inglória história de vida.
O enredo, nos dia de hoje, aplica-se bem mais a Pindorama do que às terras lusitanas: milhares de crianças nascem sem ter a mínima provisão para suas necessidades básicas, tampouco para torná-las o gérmen de um país melhor, uma vez que à margem de uma educação fundamental de qualidade ou mesmo de cuidados relacionados à preservação de um estado equilibrado de saúde.
J.A.R. – H.C.
Álvaro Feijó
(1916-1941)
Natal
Nasceu.
Foi numa cama de folhelho,
entre lençóis de estopa suja,
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar nas bordas dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroas de espinhos
mas coroa de baionetas,
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.
Garoto a recolher folhas de tabaco
(Autoria desconhecida)
Referência:
FEIJÓ, Álvaro. Natal. In: SENA, Jorge
de (Selecção, Prefácio e Notas). Líricas portuguesas: 3ª série. Lisboa,
PT: Portugália, nov. 1958. p. 232. (‘Antologias Universais’; Poesia V: Líricas
Portuguesas III)
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