Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Joseph Brodsky - Beira gelada de creme

Neste poema, provavelmente dedicado à inglesa Elizabeth Robson (E. R.) – de quem Brodsky era amigo nos idos de 1967-1969 –, e a pouco menos de uma década e meia para a virada do ano 2000, Brodsky preconiza um novo ponto de partida para a contagem do tempo, apondo o nascimento de Cristo em nova perspectiva, para assim vencer a inércia do espaço, ao redigir os seus versos “do outro lado da Terra”.

Diversamente à noção de algo que tem origem e principia uma nova era, não se percebe nos versos uma acolhida num porvir radioso, senão um espírito contristado diante da percepção de que avançou mais um ano em direção à morte, a qual, de todo modo, representaria um momento de encontro com Cristo, mas que parece não difundir a expectativa de vida eterna, mais parecendo a estoica aceitação de um fato inevitável.

J.A.R. – H.C.

 

Joseph Brodsky

(1940-1996)

 

Замерзший кисельный берег

 

Э. Р.

 

Замерзший кисельный берег. Прячущий в молоке

отражения город. Позвякивают куранты.

Комната с абажуром. Ангелы вдалеке

галдят, точно высыпавшие из кухни официанты.

Я пишу тебе это с другой стороны земли

в день рожденья Христа. Снежное толковище

за окном разражается искреннимай-люли”:

белизна размножается. Скоро Ему две тыщи

лет. Осталось четырнадцать. Нынче уже среда,

завтрачетверг. Данную годовщину

нам, боюсь, отмечать не добавляя льда,

избавляя следующую морщину

от е?нной щеки; в просторечиивместе с Ним.

Вот тогда мы и свидимся. Как звездаселянина,

через стенку пройдя, слух бередит одним

пальцем разбуженное пианино.

Будто кто-то там учится азбуке по складам.

Или нетастрономии, вглядываясь в начертанья

личных имен там, где нас нету: там,

где сумма зависит от вычитанья.

 

Декабрь 1985

 

Estrada para Versalhes em Louveciennes: efeito da neve

(Camille Pissarro: pintor francês)

 

Beira gelada de creme

 

Para E. R.

 

Beira gelada de creme. A cidade esconde no leite

seus reflexos. Relógios de carrilhão tinindo.

Quarto com abajur. Anjos, ao longe,

que armam um berreiro como garçons despejados

da cozinha.

Escrevo-te do outro lado da Terra

no dia de nascimento de Cristo. A tagarelice da neve

atrás da janela prorrompe em um franco chamado:

seu branco voltear se multiplica. Logo Ele terá

dois mil anos. Faltam catorze. Hoje já é quarta,

amanhã, quinta. Dita ocorrência,

receio, será por nós celebrada sem o acréscimo de gelo,

sem livrar a sua face

de uma nova ruga, em poucas palavras – junto d’Ele.

Pois então, é lá que nos veremos. Como a estrela para

o camponês,

vindo de trás da parede, fere o ouvido um som vindo

de um piano acordado por um único dedo.

É como se lá alguém aprendesse o alfabeto silabando.

Ou talvez não – talvez, astronomia, perscrutando

os traços

de nossos nomes próprios, lá onde não estamos: lá

onde a soma se obtém da subtração

 

Dezembro 1985


Referência:

BRODSKY, Joseph. Замерзший кисельный берег / Beira gelada de creme. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. In: __________. Poemas de Natal. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. Edição bilíngue. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Editora Âyiné, nov. 2019. Em russo: p. 82 e 84; em português: p. 83 e 85.

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