Neste poema, provavelmente dedicado à inglesa Elizabeth Robson (E. R.) – de quem Brodsky era amigo nos idos de 1967-1969 –, e a pouco menos de uma década e meia para a virada do ano 2000, Brodsky preconiza um novo ponto de partida para a contagem do tempo, apondo o nascimento de Cristo em nova perspectiva, para assim vencer a inércia do espaço, ao redigir os seus versos “do outro lado da Terra”.
Diversamente à noção de algo que tem origem e principia uma nova era, não se percebe nos versos uma acolhida num porvir radioso, senão um espírito contristado diante da percepção de que avançou mais um ano em direção à morte, a qual, de todo modo, representaria um momento de encontro com Cristo, mas que parece não difundir a expectativa de vida eterna, mais parecendo a estoica aceitação de um fato inevitável.
J.A.R. – H.C.
Joseph Brodsky
(1940-1996)
Замерзший кисельный берег
Э. Р.
Замерзший кисельный берег. Прячущий в молоке
отражения город. Позвякивают куранты.
Комната с абажуром. Ангелы вдалеке
галдят, точно высыпавшие из кухни официанты.
Я пишу тебе это с другой стороны земли
в день рожденья Христа. Снежное толковище
за окном разражается искренним “ай-люли”:
белизна размножается. Скоро Ему две тыщи
лет. Осталось четырнадцать. Нынче уже среда,
завтра − четверг. Данную годовщину
нам, боюсь, отмечать не добавляя льда,
избавляя следующую морщину
от е?нной щеки; в просторечии − вместе с Ним.
Вот тогда мы и свидимся. Как звезда − селянина,
через стенку пройдя, слух бередит одним
пальцем разбуженное пианино.
Будто кто-то там учится азбуке по складам.
Или нет − астрономии, вглядываясь в начертанья
личных имен там, где нас нету: там,
где сумма зависит от вычитанья.
Декабрь 1985
Estrada para Versalhes em Louveciennes: efeito da
neve
(Camille Pissarro: pintor francês)
Beira gelada de creme
Para E. R.
Beira gelada de creme. A cidade esconde no leite
seus reflexos. Relógios de carrilhão tinindo.
Quarto com abajur. Anjos, ao longe,
que armam um berreiro como garçons despejados
da cozinha.
Escrevo-te do outro lado da Terra
no dia de nascimento de Cristo. A tagarelice da
neve
atrás da janela prorrompe em um franco chamado:
seu branco voltear se multiplica. Logo Ele terá
dois mil anos. Faltam catorze. Hoje já é quarta,
amanhã, quinta. Dita ocorrência,
receio, será por nós celebrada sem o acréscimo de
gelo,
sem livrar a sua face
de uma nova ruga, em poucas palavras – junto d’Ele.
Pois então, é lá que nos veremos. Como a estrela
para
o camponês,
vindo de trás da parede, fere o ouvido um som vindo
de um piano acordado por um único dedo.
É como se lá alguém aprendesse o alfabeto
silabando.
Ou talvez não – talvez, astronomia, perscrutando
os traços
de nossos nomes próprios, lá onde não estamos: lá
onde a soma se obtém da subtração
Dezembro 1985
Referência:
BRODSKY, Joseph. Замерзший кисельный берег / Beira gelada de creme. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. In:
__________. Poemas de Natal. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. Edição
bilíngue. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Editora Âyiné, nov. 2019. Em russo: p. 82
e 84; em português: p. 83 e 85.
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