Estamos em dezembro, mês cujos dias, em quase dois terços, transcorrem sob a estação primaveril no hemisfério sul, ou melhor, na cidade de Recife e arredores − onde por longo tempo residiu o poeta: o pujante esfolhar das cajazeiras e o voo lépido das andorinhas são os sinais mais ostensivos de que, em breve, o estio às suas forças tudo submeterá.
Sob tais conjunturas externas, o falante sente-se premido por lembranças “raras, remotas, imprecisas volúpias de segredo e de saudade”, ou talvez ainda, por pensamentos e sentimentos que se manifestam pela via de uma “tristeza espiritualizada” − essa angústia d’alma que nos alcança a cada vez que o calendário aponta para os derradeiros dias de cada ano.
J.A.R. – H.C.
Joaquim Cardozo
(1897-1978)
Dezembro
Feliz Dezembro!
Profusão de verdes novos
As cajazeiras todas se enfolharam,
Sobre os telhados voando as andorinhas;
Feliz Dezembro!
Como vai florido este verão!
Sombra de nuvem corre pela estrada,
Sombras de árvores curvando-se recuam, rastejam:
Negros escravos do sol;
Eu vejo os subúrbios tranquilos,
A paz dominical entre os homens e as coisas,
As casas brancas de telhados de biqueira
E fico a pensar e a sentir
Dentro da minha tristeza espiritualizada.
Tenho a suspeita de um talvez feliz,
Vaga incerteza de um prazer antigo.
Ah! Desejo de lembrar coisa esquecida,
Raras, remotas, imprecisas volúpias de segredo e de
saudade.
Em: “Poemas” (1947)
Gaivotas e Telhados
(Michael D. Sorensen: pintor norte-americano)
Referência:
CARDOZO, Joaquim. Dezembro. In:
__________. Poesias completas. Rio de Janeiro, GB: Civilização
Brasileira; Brasília, DF: INL, 1971. p. 14-15. (Coleção ‘Poesia Hoje’; Série
Poetas Brasileiros; v. 20)
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