Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 13 de setembro de 2020

Federico García Lorca - (Sem Título)

Eis aqui um soneto que foi recolhido à obra “Sonetos del amor oscuro” (“Sonetos do amor sombrio”), de 1936, embora, juntamente a outros sonetos, haja sido publicado tardiamente, vale dizer, somente em 1983, conforme se depreende do excerto abaixo, de autoria do hispanista Christopher Maurer, inserto na obra editada por Federico Bonaddio (vide campo de “Referências”), a ratificar a nota formulada por Paulo Azevedo Chaves, o nomeado tradutor do poema ao português:

Nos meses anteriores ao seu assassinato pelas tropas franquistas, durante os primeiros dias da Guerra Civil Espanhola, Lorca estava trabalhando em uma coleção de sonetos, “Jardín de los sonetos”, que reuniria alguns dos muitos que havia redigido ao longo de sua vida, um sinal de uma tendência na poesia espanhola que Lorca descreveu como um regresso às “formas tradicionais, depois de um amplo e ensolarado passeio pela liberdade da métrica e da rima”. A sequência mais importante dessa obra acabou por ser a intitulada “Sonetos do amor sombrio”, uma coleção de onze sonetos homoeróticos de amor, escritos em 1935 e inspirados por Rafael Rodríguez Rapún, o jovem estudante de engenharia que havia trabalhado como assistente de Lorca em La Barraca. Alguns desses sonetos se encontram mais revisados ​​e polidos do que outros, embora todos tenham sido incorporados ávida e indiscriminadamente ao cânone da obra, após a publicação póstuma da sequência em uma edição pirateada, em 1983, seguida da primeira publicação oficial no jornal ABC, de Madri. A versão final – se é que alguma vez Lorca tenha preparado um rascunho que considerasse final – perdeu-se. É triste que os dois trabalhos de Lorca que lidam mais ousada e diretamente com o homoerotismo existam hoje apenas em versões “inacabadas”, e que alguns dos amigos mais próximos de Lorca optaram por não publicar versões completas das cartas que ele lhes escreveu. (MAURER, 2007, p. 37) 

Destaque-se que, por longo tempo, os círculos literários espanhóis e até sua própria família se recusaram a reconhecer que Lorca apresentasse tendências sexuais invertidas. Não sem motivo, muito de sua poesia gira em torno de um amor frustrado ou reprimido, sendo a mais clara conotação metafórica de sua angustiada criatividade.

J.A.R. – H.C.

Federico García Lorca
(1898-1936)

(Sin Título) (*)

¡Ay voz secreta del amor oscuro!
¡ay balido sin lanas! ¡ay herida!
¡ay aguja de hiel, camelia hundida!
¡ay corriente sin mar, ciudad sin muro!

¡Ay noche inmensa de perfil seguro,
montaña celestial de angustia erguida!
¡Ay perro en corazón, voz perseguida,
silencio sin confín, lirio maduro!

Huye de mí, caliente voz de hielo,
no me quieras perder en la maleza
donde sin fruto gimen carne y cielo.

¡Dejo el duro marfil de mi cabeza,
apiádate de mí, rompe mi duelo!
¡que soy amor, que soy naturaleza!

O duplo segredo
(René Magritte: artista belga)

(Sem Título)

Ai voz secreta do amor escuro!
ai, balido sem lãs! ai ferida!
ai, agulha de mel, camélia partida!
ai, corrente sem mar, cidade sem muro!

Ai, noite imensa de perfil seguro,
montanha celestial de angústia erguida!
ai, cão nas entranhas, voz perseguida!
silêncio sem limite, lírio maduro!

Afasta de mim o gelo cálido do teu alento
não queiras que eu me perca na profundeza
onde, sem fruto, gemem carne e firmamento.

Deixa o marfim de meu crânio com presteza,
apieda-te de mim, rompe meu desalento,
que também sou amor, que eu sou a Natureza!

Nota do Tradutor:

(*) De uma edição especial do jornal ABC, de Madri, dedicada a Federico García Lorca, com publicação de poemas de amor inéditos de sua autoria. (CHAVES; MORAES, nov. 2011, p. 49)

Referências:

LORCA, Federico García. (Sin título) / (Sem título). Tradução de Paulo Azevedo Chaves. In: CHAVES, Paulo Azevedo; MORAES, Raimundo de (Seleção, Organização e Tradução). Poemas homoeróticos escolhidos. Recife, PE: Edição Virtual, nov. 2011. Em espanhol: p. 48; em português: p. 47.

MAURER, Christopher. Poetry. In: BONADDIO, Federico (Ed.). A companion to Federico García Lorca. Woodbridge, EN: Tamesis Books, 2007. p. 16-38. (‘Colección Támesis’; Seria A: Monografías, v. 236)

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