Eis aqui um soneto que foi recolhido à
obra “Sonetos del amor oscuro” (“Sonetos do amor sombrio”), de 1936, embora,
juntamente a outros sonetos, haja sido publicado tardiamente, vale dizer,
somente em 1983, conforme se depreende do excerto abaixo, de autoria do
hispanista Christopher Maurer, inserto na obra editada por Federico Bonaddio (vide
campo de “Referências”), a ratificar a nota formulada por Paulo Azevedo Chaves,
o nomeado tradutor do poema ao português:
Nos meses anteriores
ao seu assassinato pelas tropas franquistas, durante os primeiros dias da Guerra
Civil Espanhola, Lorca estava trabalhando em uma coleção de sonetos, “Jardín de
los sonetos”, que reuniria alguns dos muitos que havia redigido ao longo de sua
vida, um sinal de uma tendência na poesia espanhola que Lorca descreveu como um
regresso às “formas tradicionais, depois de um amplo e ensolarado passeio pela
liberdade da métrica e da rima”. A sequência mais importante dessa obra acabou
por ser a intitulada “Sonetos do amor sombrio”, uma coleção de onze sonetos homoeróticos
de amor, escritos em 1935 e inspirados por Rafael Rodríguez Rapún, o jovem
estudante de engenharia que havia trabalhado como assistente de Lorca em La
Barraca. Alguns desses sonetos se encontram mais revisados e polidos do que
outros, embora todos tenham sido incorporados ávida e indiscriminadamente ao cânone da obra, após a publicação póstuma da sequência em uma edição pirateada, em 1983, seguida da primeira publicação oficial no jornal
ABC, de Madri. A versão final – se é que alguma vez Lorca tenha preparado um
rascunho que considerasse final – perdeu-se. É triste que os dois trabalhos de
Lorca que lidam mais ousada e diretamente com o homoerotismo existam hoje
apenas em versões “inacabadas”, e que alguns dos amigos mais próximos de Lorca
optaram por não publicar versões completas das cartas que ele lhes escreveu. (MAURER,
2007, p. 37)
Destaque-se que, por longo tempo, os
círculos literários espanhóis e até sua própria família se recusaram a
reconhecer que Lorca apresentasse tendências sexuais invertidas. Não sem motivo,
muito de sua poesia gira em torno de um amor frustrado ou reprimido, sendo a
mais clara conotação metafórica de sua angustiada criatividade.
J.A.R. – H.C.
Federico García Lorca
(1898-1936)
(Sin Título) (*)
¡Ay voz secreta del
amor oscuro!
¡ay balido sin lanas! ¡ay herida!
¡ay aguja de hiel,
camelia hundida!
¡ay corriente sin mar,
ciudad sin muro!
¡Ay noche inmensa de
perfil seguro,
montaña celestial de
angustia erguida!
¡Ay perro en corazón,
voz perseguida,
silencio sin confín,
lirio maduro!
Huye de mí, caliente
voz de hielo,
no me quieras perder
en la maleza
donde sin fruto gimen
carne y cielo.
¡Dejo el duro marfil
de mi cabeza,
apiádate de mí, rompe
mi duelo!
¡que soy amor, que soy
naturaleza!
O duplo segredo
(René Magritte:
artista belga)
(Sem Título)
Ai voz secreta do
amor escuro!
ai, balido sem lãs! ai
ferida!
ai, agulha de mel, camélia
partida!
ai, corrente sem mar,
cidade sem muro!
Ai, noite imensa de
perfil seguro,
montanha celestial de
angústia erguida!
ai, cão nas
entranhas, voz perseguida!
silêncio sem limite,
lírio maduro!
Afasta de mim o gelo
cálido do teu alento
não queiras que eu me
perca na profundeza
onde, sem fruto,
gemem carne e firmamento.
Deixa o marfim de meu
crânio com presteza,
apieda-te de mim,
rompe meu desalento,
que também sou amor, que
eu sou a Natureza!
Nota do Tradutor:
(*) De uma edição especial do jornal
ABC, de Madri, dedicada a Federico García Lorca, com publicação de poemas de
amor inéditos de sua autoria. (CHAVES; MORAES, nov. 2011, p. 49)
Referências:
LORCA, Federico García. (Sin título) /
(Sem título). Tradução de Paulo Azevedo Chaves. In: CHAVES, Paulo Azevedo;
MORAES, Raimundo de (Seleção, Organização e Tradução). Poemas homoeróticos
escolhidos. Recife, PE: Edição Virtual, nov. 2011. Em espanhol: p. 48; em
português: p. 47.
MAURER, Christopher. Poetry. In: BONADDIO, Federico (Ed.). A companion to Federico
García Lorca. Woodbridge, EN: Tamesis Books, 2007. p. 16-38. (‘Colección
Támesis’; Seria A: Monografías, v. 236)
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