Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Ana Cristina Cesar - Final de uma ode

Pelo teor do que se descreve neste final de ode, a poetisa encontrava-se talvez em Lisboa (PT), a contemplar as águas do Tejo, quando, subitamente, alterou-se-lhe o estado de ânimo, fazendo-a atirar-se ao chão – “imóvel tóxico do tempo” −, desejosa de que o seu corpo – e não a sua personalidade, como em Fernando Pessoa – se dividisse em outros tantos heterônimos.

A propósito, ainda que as circunstâncias por que passa estejam presas ao domínio do espaço e do tempo, o que sucede na mente da poetisa é, de fato, a reverberação loquaz de um exercício intelectivo, como na ode “Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.”, do heterônimo pessoano Álvaro de Campos:

Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo.
Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão,
No vasto chão supremo que não está em cima nem embaixo
Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos
Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais.

J.A.R. – H.C.

Ana Cristina Cesar
(1952-1983)

Final de uma ode

Acontece assim: tiro as pernas do balcão de onde via um sol
de inverno se pondo no Tejo e saio de fininho dolorosamente
dobradas as costas e segurando o queixo e a boca com uma das
mãos. Sacudo a cabeça e o tronco incontrolavelmente, mas de
maneira curta, curta, entendem? Eu estava dando
gargalhadinhas e agora estou sofrendo nosso próximo
falecimento, minhas gargalhadinhas evoluíram para um
sofrimento meio nojento, meio ocasional, sinto um dó extremo
do rato que se fere no porão, ai que outra dor súbita, ai que
estranheza e que lusitano torpor me atira de braços abertos
sobre as ripas do cais ou do palco ou do quartinho. Quisera
dividir o corpo em heterônimos – medito aqui no chão, imóvel
tóxico do tempo.

À beira da piscina do harém
(Konstantin Razumov: pintor russo)

Referência:

CESAR, Ana Cristina. Final de uma ode. In: __________. A teus pés: prosa/poesia. 2. ed. 2. imp. São Paulo, SP: Ática, 1998. p. 91.

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