A sua Espanha natal, cheia de
perspectivas antitéticas, mostra-se por inteiro neste poema de Machado, uma
espécie de colação a um outro poema igualmente célebre – “Del pasado efímero” (“Do
passado efêmero”) −, a prodigalizar sátiras e ironias, já notoriamente abertas,
ao passado tradicionalista da era Franco.
Desta feita, o poeta sevilhano passa a
enfocar o futuro com certo otimismo e alguma esperança, amparado num idealismo
que antevê o nascimento de uma outra Espanha – a Espanha da ira e das ideias −,
um potencial que até então não se realizara, em contraposição à identidade
nacional ainda centrada na paisagem mítica conservadora.
J.A.R. – H.C.
Antonio Machado
(1875-1939)
El mañana efímero
A Roberto Castrovido
La España de charanga
y pandereta,
cerrado y sacristía,
devota de Frascuelo y
de María,
de espíritu burlón y
de alma quieta,
ha de tener su mármol
y su día,
su infalible mañana y
su poeta.
El vano ayer
engendrará un mañana
vacío y ¡por ventura!
pasajero.
Será un joven lechuzo
y tarambana,
un sayón con hechuras
de bolero;
a la moda de Francia
realista,
un poco al uso de
París pagano,
y al estilo de España
especialista
en el vicio al
alcance de la mano.
Esa España inferior
que ora y bosteza,
vieja y tahúr,
zaragatera y triste;
esa España inferior
que ora y embiste,
cuando se digna usar
de la cabeza,
aún tendrá luengo
parto de varones
amantes de sagradas
tradiciones
y de sagradas formas
y maneras;
florecerán las barbas
apostólicas,
y otras calvas en
otras calaveras
brillarán, venerables
y católicas.
El vano ayer
engendrará un mañana
vacío y ¡por ventura!
pasajero,
la sombra de un
lechuzo tarambana,
de un sayón con
hechuras de bolero,
el vacuo ayer dará un
mañana huero.
Como la náusea de un
borracho ahíto
de vino malo, un rojo
sol corona
de heces turbias las cumbres
de granito;
hay un mañana
estomagante escrito
en la tarde
pragmática y dulzona.
Mas otra España nace,
la España del cincel
y de la maza,
con esa eterna
juventud que se hace
del pasado macizo de
la raza.
Una España implacable
y redentora,
España que alborea
con un hacha en la
mano vengadora,
España de la rabia y
de la idea.
Suas pedras pesam
quanto, senhora?
(Mark Bradford:
artista norte-americano)
O amanhã efêmero
A Roberto Castrovido
A Espanha de charanga
e pandeireta,
claustro e sacristia,
devota de Frascuelo e
de Maria,
de espírito burlão e
de alma quieta,
há de ter seu mármore
e seu dia,
seu infalível amanhã
e seu poeta.
O ontem inane engendrará
um amanhã
vazio e, talvez,
passageiro.
Será um jovem insciente
e estouvado,
Um beato num hábito
de talhe curto;
à moda da França
realista,
um pouco à voga da
Paris pagã,
e ao estilo da
Espanha, especialista
no vício ao alcance
da mão.
Essa Espanha inferior
que ora e boceja,
velha e trapaceira, fremente
e triste;
essa Espanha inferior
que ora e arremete,
quando se digna a
usar a cabeça,
ainda terá longo
parto de varões
amantes de sagradas
tradições
e de sagradas formas
e maneiras;
florescerão as barbas
apostólicas,
e outras calvas,
veneráveis e católicas,
brilharão em outros
crânios.
O ontem inane
engendrará um amanhã
vazio e, talvez,
passageiro,
a sombra de um jovem
insciente e estouvado,
um beato num hábito
de talhe curto,
o ontem vazio dará
uma amanhã oco.
Como a náusea de um
bêbado saturado
de vinho ruim, um sol
vermelho coroa
os cumes de granito
com borras turvas;
há um amanhã indigesto
escrito
na tarde pragmática e
edulcorada.
Mas outra Espanha
nasce,
a Espanha do cinzel e
da clava,
com essa eterna
juventude que se faz
do passado maciço da
raça.
Uma Espanha
implacável e redentora,
Espanha que alvorece
com um machado na mão
vingadora,
Espanha da ira e das
ideias.
Referência:
MACHADO, Antonio. El mañana efímero. In:
LABRADOR, Elis; CHERICIÁN, David (Compiladores). Asalto al cielo: antologia poética. 2. ed. Caracas, VE: Fundación
Editorial El perro y la rana, 2010. Disponível neste endereço. Acesso em: 4
jun. 2020. p. 67-68.
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