Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 6 de setembro de 2020

Antonio Machado - O amanhã efêmero

A sua Espanha natal, cheia de perspectivas antitéticas, mostra-se por inteiro neste poema de Machado, uma espécie de colação a um outro poema igualmente célebre – “Del pasado efímero” (“Do passado efêmero”) −, a prodigalizar sátiras e ironias, já notoriamente abertas, ao passado tradicionalista da era Franco.

Desta feita, o poeta sevilhano passa a enfocar o futuro com certo otimismo e alguma esperança, amparado num idealismo que antevê o nascimento de uma outra Espanha – a Espanha da ira e das ideias −, um potencial que até então não se realizara, em contraposição à identidade nacional ainda centrada na paisagem mítica conservadora.

J.A.R. – H.C.

Antonio Machado
(1875-1939)

El mañana efímero

A Roberto Castrovido

La España de charanga y pandereta,
cerrado y sacristía,
devota de Frascuelo y de María,
de espíritu burlón y de alma quieta,
ha de tener su mármol y su día,
su infalible mañana y su poeta.
El vano ayer engendrará un mañana
vacío y ¡por ventura! pasajero.
Será un joven lechuzo y tarambana,
un sayón con hechuras de bolero;
a la moda de Francia realista,
un poco al uso de París pagano,
y al estilo de España especialista
en el vicio al alcance de la mano.
Esa España inferior que ora y bosteza,
vieja y tahúr, zaragatera y triste;
esa España inferior que ora y embiste,
cuando se digna usar de la cabeza,
aún tendrá luengo parto de varones
amantes de sagradas tradiciones
y de sagradas formas y maneras;
florecerán las barbas apostólicas,
y otras calvas en otras calaveras
brillarán, venerables y católicas.
El vano ayer engendrará un mañana
vacío y ¡por ventura! pasajero,
la sombra de un lechuzo tarambana,
de un sayón con hechuras de bolero,
el vacuo ayer dará un mañana huero.
Como la náusea de un borracho ahíto
de vino malo, un rojo sol corona
de heces turbias las cumbres de granito;
hay un mañana estomagante escrito
en la tarde pragmática y dulzona.
Mas otra España nace,
la España del cincel y de la maza,
con esa eterna juventud que se hace
del pasado macizo de la raza.
Una España implacable y redentora,
España que alborea
con un hacha en la mano vengadora,
España de la rabia y de la idea.

Suas pedras pesam quanto, senhora?
(Mark Bradford: artista norte-americano)

O amanhã efêmero

A Roberto Castrovido

A Espanha de charanga e pandeireta,
claustro e sacristia,
devota de Frascuelo e de Maria,
de espírito burlão e de alma quieta,
há de ter seu mármore e seu dia,
seu infalível amanhã e seu poeta.
O ontem inane engendrará um amanhã
vazio e, talvez, passageiro.
Será um jovem insciente e estouvado,
Um beato num hábito de talhe curto;
à moda da França realista,
um pouco à voga da Paris pagã,
e ao estilo da Espanha, especialista
no vício ao alcance da mão.
Essa Espanha inferior que ora e boceja,
velha e trapaceira, fremente e triste;
essa Espanha inferior que ora e arremete,
quando se digna a usar a cabeça,
ainda terá longo parto de varões
amantes de sagradas tradições
e de sagradas formas e maneiras;
florescerão as barbas apostólicas,
e outras calvas, veneráveis e católicas,
brilharão em outros crânios.
O ontem inane engendrará um amanhã
vazio e, talvez, passageiro,
a sombra de um jovem insciente e estouvado,
um beato num hábito de talhe curto,
o ontem vazio dará uma amanhã oco.
Como a náusea de um bêbado saturado
de vinho ruim, um sol vermelho coroa
os cumes de granito com borras turvas;
há um amanhã indigesto escrito
na tarde pragmática e edulcorada.
Mas outra Espanha nasce,
a Espanha do cinzel e da clava,
com essa eterna juventude que se faz
do passado maciço da raça.
Uma Espanha implacável e redentora,
Espanha que alvorece
com um machado na mão vingadora,
Espanha da ira e das ideias.

Referência:

MACHADO, Antonio. El mañana efímero. In: LABRADOR, Elis; CHERICIÁN, David (Compiladores). Asalto al cielo: antologia poética. 2. ed. Caracas, VE: Fundación Editorial El perro y la rana, 2010. Disponível neste endereço. Acesso em: 4 jun. 2020. p. 67-68.

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