Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 26 de setembro de 2020

Wisława Szymborska - Elogio dos sonhos

O sono, como sabemos, é uma espécie de canal para sintonizarmos o mundo dos sonhos, um estado em que o ser humano não se limita de modo algum, nem mesmo pela força da gravidade. Afinal, quem jamais terá sonhado em flutuar no ar, com toda a leveza, como se fosse um astronauta vogando pelo espaço?

Szymborska nos mostra esse quadro de possibilidades: diz pintar maravilhosamente ao modo do pintor holandês Vermeer (1632-1675), tocar piano, v.g., como o seu conterrâneo Frédéric Chopin (1810-1849), falar fluentemente o grego, ou, ainda, presenciar fatos incríveis, como ver “dois sóis” ou um pinguim sem nunca ter estado na Antártida.

E se o sonho se converter em pesadelo, colocando-nos a vida em risco, poderemos nos acordar e constatar que as cenas terríveis não são irreversíveis. Tal contraponto convalida, certamente, a comum observação de que os sonhos também representam, simbolicamente, o que tememos, em colação, por óbvio, com o que amamos e o que sentimos falta.

J.A.R. – H.C.

Wisława Szymborska
(1923-2012)

Pochwała snów

We śnie
maluję jak Vermeer van Delft.

Rozmawiam biegle po grecku
i nie tylko z żywymi.

Prowadzę samochód,
który jest mi posłuszny.

Jestem zdolna,
piszę wielkie poematy.

Słyszę głosy
nie gorzej niż poważni święci.

Bylibyście zdumieni
świetnością mojej gry na fortepianie.

Fruwam, jak się powinno,
czyli sama z siebie.

Spadając z dachu
umiem spaść miękko w zielone.

Nie jest mi trudno
oddychać pod wodą.

Nie narzekam:
udało mi się odkryć Atlantydę.

Cieszy mnie, że przed śmiercią
zawsze potrafię się zbudzić.

Natychmiast po wybuchu wojny
odwracam się na lepszy bok.

Jestem, ale nie muszę
być dzieckiem epoki.

Kilka lat temu
widziałam dwa słońca.

A przedwczoraj pingwina.
Najzupełniej wyraźnie.

In: “Wszelki wypadek” (1972)

A alegoria da pintura
(Johannes Vermeer: pintor holandês)

Elogio dos sonhos

Nos sonhos
eu pinto como Vermeer van Delft.

Falo grego fluente
e não só com os vivos.

Dirijo um carro
que me obedece.

Tenho talento,
escrevo grandes poemas.

Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.

Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.

Flutuo no ar como se deve,
isto é, sozinha.

Ao cair do telhado
desço de manso na relva.

Respiro sem problema
debaixo d’água.

Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.

Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.

Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.

Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.

Faz alguns anos
vi dois sóis.

E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.

Em: “Todo caso” (1972)

Referência:

SZYMBORSKA, Wisława. Pochwała snów / Elogio dos sonhos. Tradução de Regina Przybycien. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. Edição Bilíngue. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011. Em polonês: p. 125-126; em português: p. 48-49.

2 comentários:

  1. Que alegria encontrar esta tradução, e justamente no teu blog, querido Hans ,)
    Um abraço,
    Lodovico Settembrini

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezado,
      A subscrição da sua mensagem com o nome do humanista de "A Montanha Mágica" fez-me rir um bocado, mas, ao mesmo tempo, trouxe-me um pouco de alento, tendo em vista o entendimento de que a razão deva prevalecer neste mundo ora asfixiado por turbulências fora de controle.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

      Excluir