O sono, como sabemos, é uma espécie de canal
para sintonizarmos o mundo dos sonhos, um estado em que o ser humano não se limita
de modo algum, nem mesmo pela força da gravidade. Afinal, quem jamais terá
sonhado em flutuar no ar, com toda a leveza, como se fosse um astronauta vogando
pelo espaço?
Szymborska nos mostra esse quadro de
possibilidades: diz pintar maravilhosamente ao modo do pintor holandês Vermeer
(1632-1675), tocar piano, v.g., como o seu conterrâneo Frédéric Chopin
(1810-1849), falar fluentemente o grego, ou, ainda, presenciar fatos incríveis,
como ver “dois sóis” ou um pinguim sem nunca ter estado na Antártida.
E se o sonho se converter em pesadelo,
colocando-nos a vida em risco, poderemos nos acordar e constatar que as cenas
terríveis não são irreversíveis. Tal contraponto convalida, certamente, a comum
observação de que os sonhos também representam, simbolicamente, o que tememos,
em colação, por óbvio, com o que amamos e o que sentimos falta.
J.A.R. – H.C.
Wisława Szymborska
(1923-2012)
Pochwała snów
We śnie
maluję jak Vermeer van
Delft.
Rozmawiam biegle po
grecku
i nie tylko z żywymi.
Prowadzę samochód,
który jest mi
posłuszny.
Jestem zdolna,
piszę wielkie poematy.
Słyszę głosy
nie gorzej niż poważni święci.
Bylibyście zdumieni
świetnością mojej gry na
fortepianie.
Fruwam, jak się powinno,
czyli sama z siebie.
Spadając z dachu
umiem spaść miękko w zielone.
Nie jest mi trudno
oddychać pod wodą.
Nie narzekam:
udało mi się odkryć Atlantydę.
Cieszy mnie, że przed śmiercią
zawsze potrafię się zbudzić.
Natychmiast po
wybuchu wojny
odwracam się na lepszy bok.
Jestem, ale nie muszę
być dzieckiem epoki.
Kilka lat temu
widziałam dwa słońca.
A przedwczoraj
pingwina.
Najzupełniej wyraźnie.
In: “Wszelki wypadek”
(1972)
A alegoria da pintura
(Johannes Vermeer:
pintor holandês)
Elogio dos sonhos
Nos sonhos
eu pinto como Vermeer
van Delft.
Falo grego fluente
e não só com os
vivos.
Dirijo um carro
que me obedece.
Tenho talento,
escrevo grandes
poemas.
Escuto vozes
não menos que os mais
veneráveis santos.
Vocês se espantariam
com minha performance
ao piano.
Flutuo no ar como se
deve,
isto é, sozinha.
Ao cair do telhado
desço de manso na
relva.
Respiro sem problema
debaixo d’água.
Não reclamo:
consegui descobrir a
Atlântida.
Fico feliz de sempre
poder acordar
pouco antes de
morrer.
Assim que começa a
guerra
me viro do melhor
lado.
Sou, mas não tenho
que ser
filha da minha época.
Faz alguns anos
vi dois sóis.
E anteontem um
pinguim.
Com toda a clareza.
Em: “Todo caso”
(1972)
Referência:
SZYMBORSKA, Wisława. Pochwała snów /
Elogio dos sonhos. Tradução de Regina Przybycien. In: __________. Poemas.
Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. Edição Bilíngue. São Paulo,
SP: Companhia das Letras, 2011. Em polonês: p. 125-126; em português: p. 48-49.
❁
Que alegria encontrar esta tradução, e justamente no teu blog, querido Hans ,)
ResponderExcluirUm abraço,
Lodovico Settembrini
Prezado,
ExcluirA subscrição da sua mensagem com o nome do humanista de "A Montanha Mágica" fez-me rir um bocado, mas, ao mesmo tempo, trouxe-me um pouco de alento, tendo em vista o entendimento de que a razão deva prevalecer neste mundo ora asfixiado por turbulências fora de controle.
Um abraço,
João A. Rodrigues