Cabral nos fala da “atmosfera
sobrenatural” da poesia, que subjaz à tangibilidade das coisas visíveis, cujas
vozes serão sobrepujadas por uma “voz imensa” que “dorme no mistério” do mundo,
essa voz que aspira por expressar o quanto de inopinado, de surpreendente e de
aleatório nele subsiste, a revelar o sublime que paira no inefável, no infinito
e no eterno.
Diga-se que, por mais que alguns poemas
revelem um tipo de poesia pautado pela racionalidade e pela lógica, a poesia
não tem a ambas como condição ‘sine qua non’ para a sua existência, uma vez que
se caracteriza por ser uma forma “iluminadora” de apreensão da realidade, uma
tentativa de capturar o que denota ser, por natureza, inexplicável ou
incomensurável: logo, valem o inconsciente e o intuitivo como formas de
prospectar essa vasta e semi-inescrutável plataforma da poesia.
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo
Neto
(1920-1999)
Poesia
Deixa falar todas as
coisas visíveis
deixa falar a
aparência das coisas que vivem no tempo
deixa, suas vozes
serão abafadas.
A voz imensa que
dorme no mistério sufocará a todas.
Deixa, que tudo só
frutificará
na atmosfera
sobrenatural da poesia.
(1937)
Em: “Primeiros
Poemas” (1990)
Lady Macbeth
(Johann Heinrich Füssli:
pintor suíço)
Referência:
MELO NETO, João Cabral de. Poesia. In:
__________. Selected poetry: 1937-1990. Edited by Djelal Kadir. A
blingual edition: Potuguese x English. Publisher by University Press of New England.
Hanover, NH: Wesleyan University Press, 1994. p. 6.
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