Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Sylvia Plath - Lady Lazarus

Lady Lazarus, apesar de tragicamente vencida, neste panorama poético de Plath, vê-se diante da morte e a supera − como um Lázaro trazido à vida por Cristo uma vez já sepultado −, em três tentativas, uma a cada década: na primeira oportunidade, por mero acidente; na segunda, por meio de uma fracassada e titubeante experiência para alcançar o óbito; por fim, na década mais recente, a falante espera devorar os homens, melhor seria dizer os médicos, para que não sejam capazes de revivê-la na próxima vez que vier a enfrentar a morte.

As alusões ao nazismo são ostensivas no poema, e o estado mental que se lhe associa é tão opressivo que a voz lírica revela querer morrer, de fato, para escapar ao cruel sofrimento que é viver em uma sociedade coerciva e dominada pelos homens, ou por outra, ser uma mulher num mundo que se firma em diretrizes patriarcais.

J.A.R. – H.C.

Sylvia Plath
(1932-1963)

Lady Lazarus

I have done it again.
One year in every ten
I manage it –

A sort of walking miracle, my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot

A paperweight,
My face a featureless, fine
Jew linen.

Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify? –

The nose, the eye pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.

Soon, soon the flesh
The grave cave ate will be
At home on me

And I a smiling woman.
I am only thirty.
And like the cat I have nine times to die.

This is Number Three.
What a trash
To annihilate each decade.

What a million filaments.
The peanut-crunching crowd
Shoves in to see

Them unwrap me hand and foot –
The big strip tease.
Gentlemen, ladies

These are my hands
My knees.
I may be skin and bone,

Nevertheless, I am the same, identical woman.
The first time it happened I was ten.
It was an accident.

The second time I meant
To last it out and not come back at all.
I rocked shut

As a seashell.
They had to call and call
And pick the worms off me like sticky pearls.

Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.

I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I’ve a call.

It’s easy enough to do it in a cell.
It’s easy enough to do it and stay put.
It’s the theatrical

Comeback in broad day
To the same place, the same face, the same brute
Amused shout:

“A miracle!”
That knocks me out.
There is a charge

For the eyeing of my scars, there is a charge
For the hearing of my heart –
It really goes.

And there is a charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood

Or a piece of my hair or my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.

I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby

That melts to a shriek.
I turn and burn.
Do not think I underestimate your great concern.

Ash, ash –
You poke and stir.
Flesh, bone, there is nothing there –

A cake of soap,
A wedding ring,
A gold filling.

Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.

Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.

Renascer das Cinzas
(Indu Ambika Gopalankutty: pintora indiana)

Lady Lazarus

Eu fiz outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito –

Como milagre ambulante, minha pele
Brilhante como um abajur nazi,
Meu pé direito

Um peso de papel,
Meu rosto um fino, prosaico
Linho judaico.

Retire o pano
Oh meu inimigo.
Eu aterrorizo? –

As órbitas, o nariz, a dentadura completa?
O hálito azedo
Sumirá em um dia.

Logo, logo a carne
Que a cova comeu vai voltar
Em mim para o lar.

E eu, mulher sorridente.
Tenho só trinta anos.
E como o gato tenho nove mortes.

Esta é Número Três
Que lixo
Para aniquilar a cada década.

Que milhão de filamentos.
A multidão mascando amendoim
Se junta pra assistir

Desembrulham minhas mãos, pés –
O grande strip tease.
Cavalheiros, damas

Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser pele e osso,

Ainda assim sou a mesma mulher, idêntica.
Na primeira vez eu tinha dez anos.
Foi um acidente.

Na segunda vez eu quis
Acabar com tudo e nunca mais voltar.
Rolei fechada

Como concha do mar.
Tiveram de chamar e chamar.
E tirar os vermes de mim como pérolas pegajosas.

Morrer
É uma arte, como tudo mais.
Nisso sou excepcional.

Faço parecer infernal.
Faço parecer real. Eu
Acho que pra mim é natural.

Fazer isso numa cela é muito fácil.
Fazer isso escondida é muito fácil.
É a volta teatral

Já em pleno dia
Ao mesmo posto, mesmo rosto, mesmo grito
Entretido, brutal:

“Um milagre!”
Que me põe a nocaute.
Há um preço

Pra ver minhas cicatrizes, há um preço
Pra ouvir meu coração –
Ele bate mesmo.

E há um preço alto, um alto preço
Por palavra ou apalpada
Ou gota de sangue

Fio de cabelo, trapo de roupa.
Então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Sou tua obra,
Sou teu tesouro,
Bebê de puro ouro

Que se derrete num berro.
Reviro em combustão.
Não pense que subestimo sua preocupação.

Cinza, cinza –
Você cutuca e atiça.
Carne, osso, não há nada lá –

Uma aliança,
Barra de sabão,
Ouro de obturação.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado
Cuidado.

Das cinzas revivo
Com meus cabelos ruivos
E devoro homens como ar.

Referência:

PLATH, Sylvia. Lady Lazarus. Tradução de Marina Della Valle. In: VALLE, Marina Della. Sylvia Plath: quatro “poemas-porrada”. Universidade de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Cadernos de literatura em tradução, n. 7, 2006, p. 165-199. Em inglês: p. 182-185; em português: p. 186-189. Disponível neste endereço. Acesso em: 27 jun. 2020.

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