Lady Lazarus, apesar de tragicamente
vencida, neste panorama poético de Plath, vê-se diante da morte e a supera − como
um Lázaro trazido à vida por Cristo uma vez já sepultado −, em três tentativas,
uma a cada década: na primeira oportunidade, por mero acidente; na segunda, por meio de
uma fracassada e titubeante experiência para alcançar o óbito; por fim, na
década mais recente, a falante espera devorar os homens, melhor seria dizer
os médicos, para que não sejam capazes de revivê-la na próxima vez que vier a
enfrentar a morte.
As alusões ao nazismo são ostensivas no
poema, e o estado mental que se lhe associa é tão opressivo que a voz lírica revela querer morrer, de fato, para escapar ao cruel sofrimento que é viver em
uma sociedade coerciva e dominada pelos homens, ou por outra, ser uma mulher
num mundo que se firma em diretrizes patriarcais.
J.A.R. – H.C.
Sylvia Plath
(1932-1963)
Lady Lazarus
I have done it again.
One year in every ten
I manage it –
A sort of walking
miracle, my skin
Bright as a Nazi
lampshade,
My right foot
A paperweight,
My face a
featureless, fine
Jew linen.
Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify? –
The nose, the eye
pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.
Soon, soon the flesh
The grave cave ate
will be
At home on me
And I a smiling
woman.
I am only thirty.
And like the cat I
have nine times to die.
This is Number Three.
What a trash
To annihilate each
decade.
What a million
filaments.
The peanut-crunching
crowd
Shoves in to see
Them unwrap me hand and
foot –
The big strip tease.
Gentlemen, ladies
These are my hands
My knees.
I may be skin and
bone,
Nevertheless, I am
the same, identical woman.
The first time it
happened I was ten.
It was an accident.
The second time I
meant
To last it out and not
come back at all.
I rocked shut
As a seashell.
They had to call and
call
And pick the worms
off me like sticky pearls.
Dying
Is an art, like
everything else.
I do it exceptionally
well.
I do it so it feels
like hell.
I do it so it feels
real.
I guess you could say
I’ve a call.
It’s easy enough to
do it in a cell.
It’s easy enough to
do it and stay put.
It’s the theatrical
Comeback in broad day
To the same place,
the same face, the same brute
Amused shout:
“A miracle!”
That knocks me out.
There is a charge
For the eyeing of my
scars, there is a charge
For the hearing of my
heart –
It really goes.
And there is a
charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood
Or a piece of my hair
or my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.
I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby
That melts to a
shriek.
I turn and burn.
Do not think I
underestimate your great concern.
Ash, ash –
You poke and stir.
Flesh, bone, there is
nothing there –
A cake of soap,
A wedding ring,
A gold filling.
Herr God, Herr
Lucifer
Beware
Beware.
Out of the ash
I rise with my red
hair
And I eat men like
air.
Renascer das Cinzas
(Indu Ambika
Gopalankutty: pintora indiana)
Lady Lazarus
Eu fiz outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito –
Como milagre
ambulante, minha pele
Brilhante como um
abajur nazi,
Meu pé direito
Um peso de papel,
Meu rosto um fino,
prosaico
Linho judaico.
Retire o pano
Oh meu inimigo.
Eu aterrorizo? –
As órbitas, o nariz,
a dentadura completa?
O hálito azedo
Sumirá em um dia.
Logo, logo a carne
Que a cova comeu vai
voltar
Em mim para o lar.
E eu, mulher
sorridente.
Tenho só trinta anos.
E como o gato tenho
nove mortes.
Esta é Número Três
Que lixo
Para aniquilar a cada
década.
Que milhão de
filamentos.
A multidão mascando
amendoim
Se junta pra assistir
Desembrulham minhas
mãos, pés –
O grande strip tease.
Cavalheiros, damas
Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser pele e
osso,
Ainda assim sou a
mesma mulher, idêntica.
Na primeira vez eu
tinha dez anos.
Foi um acidente.
Na segunda vez eu
quis
Acabar com tudo e
nunca mais voltar.
Rolei fechada
Como concha do mar.
Tiveram de chamar e
chamar.
E tirar os vermes de
mim como pérolas pegajosas.
Morrer
É uma arte, como tudo
mais.
Nisso sou
excepcional.
Faço parecer
infernal.
Faço parecer real. Eu
Acho que pra mim é
natural.
Fazer isso numa cela
é muito fácil.
Fazer isso escondida
é muito fácil.
É a volta teatral
Já em pleno dia
Ao mesmo posto, mesmo
rosto, mesmo grito
Entretido, brutal:
“Um milagre!”
Que me põe a nocaute.
Há um preço
Pra ver minhas
cicatrizes, há um preço
Pra ouvir meu coração
–
Ele bate mesmo.
E há um preço alto,
um alto preço
Por palavra ou
apalpada
Ou gota de sangue
Fio de cabelo, trapo
de roupa.
Então, então, Herr
Doktor.
Então, Herr Inimigo.
Sou tua obra,
Sou teu tesouro,
Bebê de puro ouro
Que se derrete num
berro.
Reviro em combustão.
Não pense que
subestimo sua preocupação.
Cinza, cinza –
Você cutuca e atiça.
Carne, osso, não há
nada lá –
Uma aliança,
Barra de sabão,
Ouro de obturação.
Herr Deus, Herr
Lúcifer
Cuidado
Cuidado.
Das cinzas revivo
Com meus cabelos
ruivos
E devoro homens como
ar.
Referência:
PLATH, Sylvia. Lady Lazarus. Tradução
de Marina Della Valle. In: VALLE, Marina Della. Sylvia Plath: quatro
“poemas-porrada”. Universidade de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH/USP). Cadernos de literatura em tradução, n. 7,
2006, p. 165-199. Em inglês: p. 182-185; em português: p. 186-189. Disponível
neste endereço. Acesso em: 27 jun. 2020.
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