Ascher, autor e tradutor que dispensa
apresentações, dialoga, certamente, com as proposições de Aurélio Buarque de Holanda,
atinentes ao conceito do “Homem Cordial”, a perpassar a sua obra “Raízes do
Brasil”, de 1936: por trás da aparente cortesia e amabilidade do brasileiro, há
sempre algo em erupção, à espera silente para irromper, afastando-o do quadro
de aparente polidez.
Mas Ascher transplanta ao domínio das
relações sociais um padrão que se estabelece na área de Ciências Exatas, num
paralelo assemelhado ao de Niklas Luhmann (1927-1998), quando aplica homologicamente
a Teoria da Autopoiseis, dos biólogos chilenos Maturana (n. 1921) & Varela
(1946-2001), ao âmbito da Sociologia do Direito.
Explico-me melhor: na conversão de um
homem polido e cordial a alguém capaz de expressar a mais incisiva hostilidade,
o poeta enxerga uma forma de manifestação da Segunda Lei da Termodinâmica,
nomeadamente a Lei que trata do fenômeno de expansão da entropia do universo,
grandeza capaz de medir o grau de desordem e correspondente degradação da
energia de um sistema. Tudo a ver, não?!
J.A.R. – H.C.
Nelson Ascher
(n. 1958)
Encontros
Há gente que eu
encontro
na rua e me sorri
(o fósforo, dormindo
ensimesmado dentro
da caixa, sonha
incêndios)
e eu lhes sorrio; há
gente
que encontro numa
loja
e me sorri (a lâmina
da faca que repousa
numa gaveta aguarda
o dedo distraído)
e eu lhes sorrio; há
gente
que encontro na
garagem
e me sorri (o fio
se aquece na parede
acalentando alguma
faísca) e eu lhes
sorrio;
há gente que eu
encontro
até no elevador
e me sorri (a carne
que está na geladeira
fermenta aos poucos
sua
toxina), eu lhes
sorrio
e cada qual de nós,
descendo em seu
andar,
ligando o carro (salvo
se acaba de
guardá-lo),
fazendo (ou não) as
compras
e prosseguindo rua
abaixo ou rua acima,
medita na segunda
lei da termodinâmica.
Em: “Parte Alguma”
(2005)
Jael e Sísera
(Jacopo Amigoni:
pintor italiano)
Referência:
ASCHER, Nelson. Encontros. In: PINTO,
Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da
poesia brasileira do século 21. São Paulo, SP: Publifolha, 2006. p. 31-33.
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