Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Walt Whitman - O gavião pintado mergulha e me acusa

Depois de exaurida as forças de Whitman, tudo quanto a ele disser respeito, uma vez transformado novamente no pó primordial, passará a pertencer aos vivos, que o celebrarão levando-o impregnado em suas botas: eis uma suma válida para este excerto de “Canção de mim mesmo”, vale dizer, a seção de nº 52, a dar termo ao poema.

De um corpo já incapaz de se traduzir diretamente pelo verbo, sobrevirá outras formas de matéria, vivas ou não – plantas, animais, água ou grama −, que lançarão mão de suas palavras, reciclando-as num fluxo interminável de memórias, ideias e pensamentos a serem reabsorvidos pelos intrépidos leitores do futuro, em busca de iluminação ou de sentido para as suas vidas.

J.A.R. – H.C.

Walt Whitman
(1819-1892)

The spotted hawk swoops by and accuses me

The spotted hawk swoops by and accuses me –
he complains of my gab and my loitering.
I too am not a bit tamed − I too am untranslatable;
I sound my barbaric yawp over the roofs of the world.

The last scud of day holds back for me;
It flings my likeness after the rest, and true as any,
on the shadow’d wilds;
It coaxes me to the vapor and the dusk.

I depart as air − I shake my white locks at the runaway sun;
I effuse my flesh in eddies, and drift it in lacy jags.

I bequeath myself to the dirt, to grow from the grass I love;
If you want me again, look for me under your boot-soles.

You will hardly know who I am, or what I mean;
But I shall be good health to you nevertheless,
And filter and fibre your blood.

Failing to fetch me at first, keep encouraged;
Missing me one place, search another;
I stop somewhere, waiting for you.

Falcão com cauda rubra
(Shirley Bell: pintora norte-americana)

O gavião pintado mergulha e me acusa

O gavião pintado mergulha e me acusa,
ele reclama de minha tagarelice e de minha vadiagem.
Eu também não sou muito domado, eu também
sou intraduzível,
Lanço no ar o meu urro bárbaro sobre os telhados do mundo.

A última sombra do dia espera por mim,
Ela arremessa minha imagem atrás das outras e, tão verdadeira
quanto qualquer coisa no agreste sombrio,
Me arrasta para o vapor e para o crepúsculo.

Eu parto como o ar, agito minhas mechas brancas
sob o sol fugitivo,
Derramo minha carne em remoinhos e deixo-a à deriva
em saliências rendilhadas.

Lego-me ao pó para crescer da relva que amo,
Se queres me ver novamente, procura-me grudado à sola
de tuas botas.

Dificilmente saberás quem sou ou o que significo,
Mas hei de ser para ti boa saúde assim mesmo,
E filtrarei e darei fibra ao teu sangue.

Se não puderes me encontrar na primeira vez,
mantém a esperança,
Não me achando em certo lugar, procura em outro,
Fico em alguma parte à tua espera.

Referências:

Em Inglês

WHITMAN, Walt. WHITMAN, Walt. Song of myself: 52. The spotted hawk swoops by and accuses me. In: __________. The portable Walt Whitman. Edited with an introduction by Michael Warner. New York, NY: Penguin Books, 2004. p. 67.

Em Português

WHITMAN, Walt. Canção de mim mesmo: 52. O gavião pintado mergulha e me acusa. Tradução de Luciano Alves Meira. In: __________. Folhas de relva. Texto integral. Tradução e introdução de Luciano Alves Meira. 2. ed. São Paulo (SP): Martin Claret, 2012. p. 107-108. (Série Ouro: Coleção ‘A Obra-Prima de Cada Autor’; n. 42)

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