Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Mario Benedetti - Não te salves

Presumo que o propósito real de Benedetti ao redigir este poema seria levá-lo ao ponto de evocação a um compromisso de vida capaz de valer a pena, não só no plano individual, senão no coletivo, pois além de não ser identificável o destinatário quanto ao gênero – o que poderia enfatizar uma hipotética inflexão afetiva –, os versos finais reforçam as razões de rompimento do ajuste para aqueles que ficarem à beira do caminho.

É um pacto para transformar o seu espaço de convívio – o grupo, a sociedade, o país ou o mundo inteiro – num sítio melhor, não essa coisa monstruosa que divide e rompe todos os campos de força favoráveis a se dar um salto de qualidade nesse quadro absolutamente imoral de distribuição de renda da América Latina.

J.A.R. – H.C.

Mario Benedetti
(1920-2009)

No te salves

No te quedes inmóvil
al borde del camino
no congeles el júbilo
no quieras con desgana
no te salves ahora
ni nunca
no te salves
no te llenes de calma
no reserves del mundo
sólo un rincón tranquilo
no dejes caer los párpados
pesados como juicios
no te quedes sin labios
no te duermas sin sueño
no te pienses sin sangre
no te juzgues sin tiempo

pero si
pese a todo
no puedes evitarlo
y congelas el júbilo
y quieres con desgana
y te salvas ahora
y te llenas de calma
y reservas del mundo
sólo un rincón tranquilo
y dejas caer los párpados
pesados como juicios
y te secas sin labios
y te duermes sin sueño
y te piensas sin sangre
y te juzgas sin tiempo
y te quedas inmóvil
al borde del camino
y te salvas
entonces
no te quedes conmigo.

O Terminal
(Vladimir Semenskiy: artista cazaque)

Não te salves

Não fiques imóvel
à beira do caminho
não congeles o júbilo
não ames a contragosto
não te salves agora
nem nunca
não te salves
não te enchas de calma
não reserves do mundo
apenas um recanto tranquilo
não deixes cair as pálpebras
pesadas como juízos
não fiques sem lábios
não adormeças sem sono
não te penses sem sangue
não te julgues sem tempo

mas se
apesar de tudo
não puderes evitar
e congelares o júbilo
e amares a contragosto
e te salvares agora
e te encheres de calma
e reservares do mundo
apenas um recanto tranquilo
e deixares cair as pálpebras
pesadas como juízos
e te secares sem lábios
e adormeceres sem sono
e te pensares sem sangue
e te julgares sem tempo
e ficares imóvel
à beira do caminho
e te salvares
então
não fiques comigo.

Referências:

Em Espanhol

BENEDETTI, Mario. No te salves. In: __________. Antología poética. Introducción de Pedro Orgambide. Selección del autor. 4. ed.; 8. reimp. Madrid, ES: Alianza Editorial, 2017. p. 167-168. (‘El libro de bolsillo’; v. 2)

Em Português

BENEDETTI, Mario. Não te salves. Tradução de Vasco Gato. In: Elyra: revista da rede internacional Lyracompoetics, n. 9, p. 427, jun.2017. Disponível neste endereço. Acesso em: 13 jan. 2020.

4 comentários:

  1. Boa tarde!
    A mim não me parece ter prioritariamente uma conotação política.
    Provavelmente quis referir-se às dificuldades de mudanças pessoais, à acomodação.
    Contudo, penso ser importante considerar os limites de cada um.
    Clarice Lispector diz: "até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."

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    1. Prezado(a): De fato, havia dado como certo que o falante propõe um modo de vida, a quem o acompanhe, que não se estabeleça pelo que seja seguro, sem correr riscos, que não esteja comprometido em viver a vida até as suas últimas consequências. Em suma: uma invocação a que se saia da “zona de conforto”. Daí porque o texto do comento, num 'tour de force', releva: "não só no plano individual, senão no coletivo".
      Nesse contexto, não é que pretendesse enfatizar que o sentido prioritário do poema fosse por sua dimensão política, mas que uma dedução, sob tal perspectiva, não seria sumariamente refutável, estando mesmo naquele domínio a que Umberto Eco denomina por "criatividade do intérprete".
      Seja como for, óbvio, o modo como você interpreta as linhas do poema é bastante válido, e, decerto, um dos mais diretamente auferíveis aos seus versos.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

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  2. A beleza do texto está em instigar no leitor a mudança. Me dá vontade de sair da zona de conforto a nível profissional e afetivo. Quanto à política, poderia também ser visto como um chamado à luta pelo livre mercado na America latina. Vai do que cada um acredita como o caminho para fazer bem a si a sociedade. No fim é só, e isso não 3 pouco, um chamado a sair da inércia.

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    1. Prezado(a),
      De repente, o seu comentário fez-me lembrar uma das conferências do Umberto Eco, em "Interpretação e Superinterpretação", ao longo da qual o autor italiano sumaria algumas ideias acerca das teorias da interpretação voltadas à intenção do autor (muito difícil de descobrir e frequentemente irrelevante para a interpretação de um texto), a intenção do intérprete (aquela em que este, segundo Rorty, debasta um texto até chegar a uma forma que sirva a seu propósito) e a intenção do texto (que, em sua transparência, refutaria uma interpretação insustentável).
      O único problema, certamente, é identificar qual seria o parâmetro capaz de discernir entre tais leituras distintas, tanto mais que o texto é um objeto "construído" pela interpretação, no intento circular de se convalidar através do que a constitui.
      E lá caímos num oceano metalinguístico...
      Grato pelo comentário.
      João A. Rodrigues

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