Presumo que o propósito real de Benedetti ao redigir este poema seria
levá-lo ao ponto de evocação a um compromisso de vida capaz de valer a pena,
não só no plano individual, senão no coletivo, pois além de não ser
identificável o destinatário quanto ao gênero – o que poderia enfatizar uma
hipotética inflexão afetiva –, os versos finais reforçam as razões de
rompimento do ajuste para aqueles que ficarem à beira do caminho.
É um pacto para transformar o seu espaço de convívio – o grupo, a
sociedade, o país ou o mundo inteiro – num sítio melhor, não essa coisa
monstruosa que divide e rompe todos os campos de força favoráveis a se dar um
salto de qualidade nesse quadro absolutamente imoral de distribuição de renda
da América Latina.
J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)
No te salves
No te quedes inmóvil
al borde del camino
no congeles el júbilo
no quieras con
desgana
no te salves ahora
ni nunca
no te salves
no te llenes de calma
no reserves del mundo
sólo un rincón
tranquilo
no dejes caer los
párpados
pesados como juicios
no te quedes sin
labios
no te duermas sin
sueño
no te pienses sin
sangre
no te juzgues sin
tiempo
pero si
pese a todo
no puedes evitarlo
y congelas el júbilo
y quieres con desgana
y te salvas ahora
y te llenas de calma
y reservas del mundo
sólo un rincón
tranquilo
y dejas caer los
párpados
pesados como juicios
y te secas sin labios
y te duermes sin
sueño
y te piensas sin
sangre
y te juzgas sin
tiempo
y te quedas inmóvil
al borde del camino
y te salvas
entonces
no te quedes conmigo.
O Terminal
(Vladimir Semenskiy:
artista cazaque)
Não te salves
Não fiques imóvel
à beira do caminho
não congeles o júbilo
não ames a
contragosto
não te salves agora
nem nunca
não te salves
não te enchas de
calma
não reserves do mundo
apenas um recanto
tranquilo
não deixes cair as
pálpebras
pesadas como juízos
não fiques sem lábios
não adormeças sem
sono
não te penses sem
sangue
não te julgues sem
tempo
mas se
apesar de tudo
não puderes evitar
e congelares o júbilo
e amares a
contragosto
e te salvares agora
e te encheres de
calma
e reservares do mundo
apenas um recanto
tranquilo
e deixares cair as
pálpebras
pesadas como juízos
e te secares sem
lábios
e adormeceres sem
sono
e te pensares sem
sangue
e te julgares sem
tempo
e ficares imóvel
à beira do caminho
e te salvares
então
não fiques comigo.
Referências:
Em Espanhol
BENEDETTI, Mario. No te salves. In:
__________. Antología poética.
Introducción de Pedro Orgambide. Selección del autor. 4. ed.; 8. reimp. Madrid,
ES: Alianza Editorial, 2017. p. 167-168. (‘El libro de bolsillo’; v. 2)
Em Português
BENEDETTI, Mario. Não te salves.
Tradução de Vasco Gato. In: Elyra:
revista da rede internacional Lyracompoetics, n. 9, p. 427, jun.2017.
Disponível neste endereço. Acesso em: 13 jan. 2020.
❁
Boa tarde!
ResponderExcluirA mim não me parece ter prioritariamente uma conotação política.
Provavelmente quis referir-se às dificuldades de mudanças pessoais, à acomodação.
Contudo, penso ser importante considerar os limites de cada um.
Clarice Lispector diz: "até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."
Prezado(a): De fato, havia dado como certo que o falante propõe um modo de vida, a quem o acompanhe, que não se estabeleça pelo que seja seguro, sem correr riscos, que não esteja comprometido em viver a vida até as suas últimas consequências. Em suma: uma invocação a que se saia da “zona de conforto”. Daí porque o texto do comento, num 'tour de force', releva: "não só no plano individual, senão no coletivo".
ExcluirNesse contexto, não é que pretendesse enfatizar que o sentido prioritário do poema fosse por sua dimensão política, mas que uma dedução, sob tal perspectiva, não seria sumariamente refutável, estando mesmo naquele domínio a que Umberto Eco denomina por "criatividade do intérprete".
Seja como for, óbvio, o modo como você interpreta as linhas do poema é bastante válido, e, decerto, um dos mais diretamente auferíveis aos seus versos.
Um abraço,
João A. Rodrigues
A beleza do texto está em instigar no leitor a mudança. Me dá vontade de sair da zona de conforto a nível profissional e afetivo. Quanto à política, poderia também ser visto como um chamado à luta pelo livre mercado na America latina. Vai do que cada um acredita como o caminho para fazer bem a si a sociedade. No fim é só, e isso não 3 pouco, um chamado a sair da inércia.
ResponderExcluirPrezado(a),
ExcluirDe repente, o seu comentário fez-me lembrar uma das conferências do Umberto Eco, em "Interpretação e Superinterpretação", ao longo da qual o autor italiano sumaria algumas ideias acerca das teorias da interpretação voltadas à intenção do autor (muito difícil de descobrir e frequentemente irrelevante para a interpretação de um texto), a intenção do intérprete (aquela em que este, segundo Rorty, debasta um texto até chegar a uma forma que sirva a seu propósito) e a intenção do texto (que, em sua transparência, refutaria uma interpretação insustentável).
O único problema, certamente, é identificar qual seria o parâmetro capaz de discernir entre tais leituras distintas, tanto mais que o texto é um objeto "construído" pela interpretação, no intento circular de se convalidar através do que a constitui.
E lá caímos num oceano metalinguístico...
Grato pelo comentário.
João A. Rodrigues