Neruda expressa, nos versos deste poema, certo cansaço na existência,
alguma impotência, desesperança ou angústia, deixando a impressão de que a vida
se dilapida frente a eventos trágicos, confrangida pela malevolência, absorvida
pela voragem que a atira no vazio absoluto.
Aos olhos de quem lê as suas linhas, revela-se um refluxo de imagens
marinhas – talvez extraídas ao litoral de seu Chile natal –, por vezes desoladoras,
como se pretendessem enlaçar o tema da ruína e da morte, considerando, por
hipótese, que a materialização dos ideais do poeta tornara-se uma esperança
malograda em seu país, sitiado pela ditadura.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
El Vacío
Y cómo se hace el mar?
Yo no hice el mar:
lo encontré con sus
salvajes
oficinas,
lo hallé dispuesto a
todo,
crepitante,
pacífico,
atlántico de plomo,
mediterráneo
teñido de anilina,
todo era blanco y
hondo,
hirviente y
permanente,
tenía olas, ovarios,
naves muertas,
latía
su organismo.
Lo medí entre las
rocas
de la tierra
asombrada
y dije, no lo hice,
no lo hice yo, ni
nadie:
en ese nadie soy
un sirviente
inservible,
como un molusco roto
por los dientes del
mar.
No hice la sal
dispersa
ni el viento coronado
por la racha que
rompe la blancura
no, no hice
la luz del agua ni el
beso que estremece
la nave con sus
labios de batalla,
ni las demoliciones
de arena,
ni el movimiento que
envolvió en silencio
a las ballenas y sus
procreaciones.
Yo fui alejado
de estos infinitos:
ni un solo dedo de
mis semejantes
tembló en el agua
urgiendo la existencia
y vine a ser testigo
de la más tempestuosa
soledad
sin más que ojos
vacíos
que se llenaron de
olas
y que se cerrarán
en el vacío.
En: “Las Manos del Dia” (1968)
Mar Calmo
(Gundula Walz:
fotógrafa alemã)
O Vazio
E como se faz o mar?
Eu não fiz o mar:
encontrei-o com seus
selvagens
escritórios,
achei-o disposto a
tudo,
crepitante,
pacífico,
atlântico de chumbo,
mediterrâneo
tingido de anilina,
tudo era branco e
profundo,
fervente e
permanente,
tinha ondas, ovários,
navios mortos,
o seu organismo
pulsava.
Medi-o entre as
rochas
da terra assombrada
e disse, não o fiz,
eu não o fiz, nem
ninguém:
nesse ninguém sou
um servo inútil,
como um molusco
despedaçado
pelos dentes do mar.
Não fiz o sal
disperso,
nem o vento coroado
pela rajada que rompe
a brancura,
não, não fiz
a luz da água nem o
beijo que estremece
o navio com seus
lábios de batalha,
nem as demolições de
areia,
nem o movimento que
envolveu em silêncio
as baleias e suas
procriações.
Fui distanciado
desses infinitos:
nem um só dedo de
meus semelhantes
balançou a água implorando
existência,
e vim a ser
testemunha
da mais tempestuosa
solidão,
sem nada além que
olhos vazios
que se encheram de
ondas
e se fecharam
no vazio.
Em: “As Mãos do Dia” (1968)
Referência:
NERUDA, Pablo. El vacio. In:
__________. Antología poética.
Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 419-420.
(Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)
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