Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Pablo Neruda - O Vazio

Neruda expressa, nos versos deste poema, certo cansaço na existência, alguma impotência, desesperança ou angústia, deixando a impressão de que a vida se dilapida frente a eventos trágicos, confrangida pela malevolência, absorvida pela voragem que a atira no vazio absoluto.

Aos olhos de quem lê as suas linhas, revela-se um refluxo de imagens marinhas – talvez extraídas ao litoral de seu Chile natal –, por vezes desoladoras, como se pretendessem enlaçar o tema da ruína e da morte, considerando, por hipótese, que a materialização dos ideais do poeta tornara-se uma esperança malograda em seu país, sitiado pela ditadura.

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

El Vacío

Y cómo se hace el mar?
Yo no hice el mar:
lo encontré con sus salvajes
oficinas,
lo hallé dispuesto a todo,
crepitante,
pacífico,
atlántico de plomo,
mediterráneo
teñido de anilina,
todo era blanco y hondo,
hirviente y permanente,
tenía olas, ovarios,
naves muertas,
latía
su organismo.

Lo medí entre las rocas
de la tierra asombrada
y dije, no lo hice,
no lo hice yo, ni nadie:
en ese nadie soy
un sirviente inservible,
como un molusco roto
por los dientes del mar.
No hice la sal dispersa
ni el viento coronado
por la racha que rompe la blancura
no, no hice
la luz del agua ni el beso que estremece
la nave con sus labios de batalla,
ni las demoliciones de arena,
ni el movimiento que envolvió en silencio
a las ballenas y sus procreaciones.

Yo fui alejado
de estos infinitos:
ni un solo dedo de mis semejantes
tembló en el agua urgiendo la existencia
y vine a ser testigo
de la más tempestuosa soledad
sin más que ojos vacíos
que se llenaron de olas
y que se cerrarán
en el vacío.

En: “Las Manos del Dia” (1968)

Mar Calmo
(Gundula Walz: fotógrafa alemã)

O Vazio

E como se faz o mar?
Eu não fiz o mar:
encontrei-o com seus selvagens
escritórios,
achei-o disposto a tudo,
crepitante,
pacífico,
atlântico de chumbo,
mediterrâneo
tingido de anilina,
tudo era branco e profundo,
fervente e permanente,
tinha ondas, ovários,
navios mortos,
o seu organismo
pulsava.

Medi-o entre as rochas
da terra assombrada
e disse, não o fiz,
eu não o fiz, nem ninguém:
nesse ninguém sou
um servo inútil,
como um molusco despedaçado
pelos dentes do mar.
Não fiz o sal disperso,
nem o vento coroado
pela rajada que rompe a brancura,
não, não fiz
a luz da água nem o beijo que estremece
o navio com seus lábios de batalha,
nem as demolições de areia,
nem o movimento que envolveu em silêncio
as baleias e suas procriações.

Fui distanciado
desses infinitos:
nem um só dedo de meus semelhantes
balançou a água implorando existência,
e vim a ser testemunha
da mais tempestuosa solidão,
sem nada além que olhos vazios
que se encheram de ondas
e se fecharam
no vazio.

Em: “As Mãos do Dia” (1968)

Referência:

NERUDA, Pablo. El vacio. In: __________. Antología poética. Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 419-420. (Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)

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