Enzensberger é bem engraçado quando descreve a moça com tendências
esquerdistas no poema abaixo, cujo original em alemão pode ser consultado neste endereço, original esse em que me orientei para verter ao português a tradução
em inglês contida no livro em referência.
Há uma cornucópia de discrepâncias no comportamento da balzaquiana
descrita, cujo ideal vão de encontro à vida de carências que leva. O poeta
recorda as influências intelectuais a que ela esteve submetida no passado; a
vindicação pela autodeterminação sexual diante de um potencial candidato a
parceiro – que, como se depreende, apresentava tendências masoquistas –; e
mesmo o pendor a já sentir-se meio envelhecida – afinal, dissipa horas frente
ao espelho se hidratando.
Seja como for, Enzensberger revela que apenas no choro ela aparenta ter
dezenove anos: presumo, contudo, que não seja uma “aparência física” a uma
jovem recém-saída da adolescência, senão a falta de maturidade para suportar as
durezas da vida. Afinal, ainda depende, vez por outra, da ajuda financeira de
sua avó!
J.A.R. – H.C.
Hans Magnus Enzensberger
(n. 1939)
At Thirty-Three
It was all so
different from what she’d expected.
Always those rusting
Volkswagens.
At one time she’d
almost married a baker.
First he read Hesse,
then Handke.
Now often she does
crosswords in bed.
With her, men take no
liberties.
For years she was a
Trotskyist, but in her own way.
She’s never handled a
ration card.
When she thinks of
Kampuchea she feels quite sick.
Her last lover, the
professor, always wanted her to beat him.
Greenish batik
dresses, always too wide for her.
Greenflies on her Sparmannia.
Really she wanted to
paint, or emigrate.
Her thesis, Class Struggles in Ulm 1500
to 1512 and References to them in
Folksong:
Grants, beginnings
and a suitcase full of notes.
Sometimes her
grandmother sends her money.
Tentative dances in
her bathroom, little grimaces,
cucumber juice for
hours in front of the mirror.
She says, whatever
happens I shan’t starve.
When she weeps she
looks like nineteen.
Hora do Chá
(Konstantin Razumov:
pintor russo)
Aos Trinta e Três
Tudo era muito
diferente do que ela imaginara.
Sempre aqueles Volkswagens
enferrujados.
Certa vez, quase se
casou com um padeiro.
De início, lia Hesse,
depois, Handke.
Agora, costuma
entreter-se com palavras-cruzadas na cama.
Com ela, os homens
não se dão liberdades.
Por anos foi
trotskista, porém à sua maneira.
Jamais lidou com um
cupom de racionamento.
Quando pensa no
Camboja, sente-se bem adoentada.
Seu último namorado, o
catedrático, gostava que ela o espancasse.
Vestidos esverdeados de
batique, largos demais para ela.
Meligras infestam a
sua tília.
Na verdade, queria
pintar ou emigrar.
Sua dissertação, Luta de Classes em Ulm, de 1500
a 1512, e seus Reflexos na Música Folclórica
do Período:
Bolsas de estudos,
inícios e uma maleta cheia de anotações.
Às vezes, a avó
envia-lhe dinheiro.
Tímidas danças no
banheiro, pequenas caretas,
Leite de pepino por
horas frente ao espelho.
Ela diz: passe o que
se passe, não morrerei de fome.
Quando chora, parece
ter dezenove anos.
Referência:
ENZENSBERGER, Hans Magnus. At thirty-three.
Translated from the German by the autor and Michael Hamburger. In: McCLATCHY,
J. D. (Ed.). The vintage book of
contemporary world poetry. 1st. ed. New York, NY: Vintage Books (A Division
of Random House Inc.), june 1996. p. 112.
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