Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Hans Magnus Enzensberger - Aos Trinta e Três

Enzensberger é bem engraçado quando descreve a moça com tendências esquerdistas no poema abaixo, cujo original em alemão pode ser consultado neste endereço, original esse em que me orientei para verter ao português a tradução em inglês contida no livro em referência.

Há uma cornucópia de discrepâncias no comportamento da balzaquiana descrita, cujo ideal vão de encontro à vida de carências que leva. O poeta recorda as influências intelectuais a que ela esteve submetida no passado; a vindicação pela autodeterminação sexual diante de um potencial candidato a parceiro – que, como se depreende, apresentava tendências masoquistas –; e mesmo o pendor a já sentir-se meio envelhecida – afinal, dissipa horas frente ao espelho se hidratando.

Seja como for, Enzensberger revela que apenas no choro ela aparenta ter dezenove anos: presumo, contudo, que não seja uma “aparência física” a uma jovem recém-saída da adolescência, senão a falta de maturidade para suportar as durezas da vida. Afinal, ainda depende, vez por outra, da ajuda financeira de sua avó!

J.A.R. – H.C.

Hans Magnus Enzensberger
(n. 1939)

At Thirty-Three

It was all so different from what she’d expected.
Always those rusting Volkswagens.
At one time she’d almost married a baker.
First he read Hesse, then Handke.
Now often she does crosswords in bed.
With her, men take no liberties.
For years she was a Trotskyist, but in her own way.
She’s never handled a ration card.
When she thinks of Kampuchea she feels quite sick.
Her last lover, the professor, always wanted her to beat him.
Greenish batik dresses, always too wide for her.
Greenflies on her Sparmannia.
Really she wanted to paint, or emigrate.
Her thesis, Class Struggles in Ulm 1500
to 1512 and References to them in Folksong:
Grants, beginnings and a suitcase full of notes.
Sometimes her grandmother sends her money.
Tentative dances in her bathroom, little grimaces,
cucumber juice for hours in front of the mirror.
She says, whatever happens I shan’t starve.
When she weeps she looks like nineteen.

Hora do Chá
(Konstantin Razumov: pintor russo)

Aos Trinta e Três

Tudo era muito diferente do que ela imaginara.
Sempre aqueles Volkswagens enferrujados.
Certa vez, quase se casou com um padeiro.
De início, lia Hesse, depois, Handke.
Agora, costuma entreter-se com palavras-cruzadas na cama.
Com ela, os homens não se dão liberdades.
Por anos foi trotskista, porém à sua maneira.
Jamais lidou com um cupom de racionamento.
Quando pensa no Camboja, sente-se bem adoentada.
Seu último namorado, o catedrático, gostava que ela o espancasse.
Vestidos esverdeados de batique, largos demais para ela.
Meligras infestam a sua tília.
Na verdade, queria pintar ou emigrar.
Sua dissertação, Luta de Classes em Ulm, de 1500
a 1512, e seus Reflexos na Música Folclórica do Período:
Bolsas de estudos, inícios e uma maleta cheia de anotações.
Às vezes, a avó envia-lhe dinheiro.
Tímidas danças no banheiro, pequenas caretas,
Leite de pepino por horas frente ao espelho.
Ela diz: passe o que se passe, não morrerei de fome.
Quando chora, parece ter dezenove anos.

Referência:

ENZENSBERGER, Hans Magnus. At thirty-three. Translated from the German by the autor and Michael Hamburger. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary world poetry. 1st. ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), june 1996. p. 112.

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