De uma reminiscência qualquer, Montale procura resgatar um momento de
felicidade, fugaz que seja, em que um rosto em plena primavera ri-se da face
agora marcada pela maturidade, da qual logo se afasta pelo efeito evanescente
da roldana do pensamento, capaz de a tudo engolfar no poço da memória.
Mas o outro a que alude os versos do poema é o mesmo ente lírico do qual
a imagem resgatada diz respeito, apenas diferençada pelas muitas águas que passaram
por baixo da ponte. Ou de outra forma: trata-se da heraclitiana máxima de que
nada é permanente, senão a mudança!
J.A.R. – H.C.
Eugene Montale
(1896-1981)
Cigola la carrucola del pozzo
Cigola la carrucola
del pozzo,
l’acqua sale alla
luce e vi si fonde.
Trema un recordo nel
ricolmo secchio,
nel puro cerchio
un’immagine ride.
Accosto il volto a evanescenti
labbri:
si deforma il
passato, si fa vecchio,
appartiene ad un
altro...
Ah che già stride
la ruota, ti ridona
all’atro fondo,
visione, una distanza
ci divide.
O Poço
(Guillaume Seignac:
pintor francês)
Chia a roldana dentro da cisterna
Chia a roldana dentro
da cisterna,
a água sobe à luz e
nela se funde.
Uma lembrança freme
em balde cheio,
no puro círculo ri-se
uma imagem.
Encosto o rosto a
evanescentes lábios:
deforma-se o passado,
faz-se velho,
pertence a um
outro...
Ah que já range
a roda, devolve-te ao
negro fundo,
visão, uma distância
nos separa.
Referência:
MONTALE, Eugenio. Cigola la carrucola
del pozzo / Chia a roldana dentro da cisterna. Tradução de Renato Xavier. In:
__________. Ossos de sépia:
1920-1927. Tradução, prefácio e notas de Renato Xavier. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2011. Em italiano: p. 100; em português: p. 101. (Edição
comemorativa dos 25 anos da Companhia das Letras)
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