Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Hamo Sarian - Outrora...

As impressões da infância são mesmo inapagáveis: há pouco postamos um poema do italiano Eugenio Montale que perpassava o tema. E hoje trazemos um outro poema que introduz-se, desenrola-se e consuma-se todo ele sob a perspectiva da meninice, rememorada, no caso, por um adulto, de quem se colhe a seguinte máxima: “Feliz quem, crescendo, permaneceu criança, para quem ainda o mundo é jardim de lazer”.

Não poucas vezes o assunto retorna à mente dos poetas, pois poemas sobre a matéria são reiterados em literaturas do mundo inteiro. Por estas paragens, vezes sem conta inserto em antologias da poesia pátria, poderíamos citar de memória o poeta fluminense Casimiro de Abreu, com o seu proverbial “Meus Oito Anos”.

J.A.R. – H.C.

Hamo Sarian
(1914-1993)

Outrora...

Outrora,
quando tudo era simples demais,
simples como alma de criança,
era o mundo um pequeno jardim,
um pequeno quintal,
uma colina pequena.
Mas já não é assim.

Trigo era trigo, nada mais;
cevada era cevada, nada mais;
era tudo compreensível,
em nada, nada,
se acoutavam mistérios.
Mas já não é assim.

Agora?
as montanhas são séculos dormentes,
são histórias esculpidas;
são túmulos todas as pedras,
são pedaços
de glórias do passado.

Cada rocha
é um documento antigo;
nas marcas de cada passo
repousa uma grande vida
de outros tempos;
cada caule é um oco de cálamo
soltando chamas auriverdes.

Cantos silentes,
mudos murmúrios das rezas de avós
é o arco-íris;
nas searas e escarpas
as sendas são rastros de viajantes
há muito sepultados.

Em cada vale
se escondem ânsias,
de cada fonte
saem jorros de lágrimas;
a brisa é o cavalheiro bom da estória;
cavalheiro de romance, o vendaval.

Tudo é mistério,
é forma,
é pesadelo
difícil de suportar.
Feliz quem, crescendo,
permaneceu criança,
para quem ainda o mundo
é jardim de lazer.

Três meninas no jardim de rosas
(Konstantin Razumov: pintor russo)

Referência:

SARIAN, Hamo. Outrora... Provável tradução de Yessai Kerouzian. In: KEROUZIAN, Yessai Ohannes (Organizador e provável tradutor). A nova poesia armênia. [São Paulo (SP)?]: [s.ed.]; [1982?]. p. 174-175. (Série ‘Armênia’; nº 8).

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