As impressões da infância são mesmo inapagáveis: há pouco postamos um
poema do italiano Eugenio Montale que perpassava o tema. E hoje trazemos um
outro poema que introduz-se, desenrola-se e consuma-se todo ele sob a
perspectiva da meninice, rememorada, no caso, por um adulto, de quem se colhe a
seguinte máxima: “Feliz quem, crescendo, permaneceu criança, para quem ainda o
mundo é jardim de lazer”.
Não poucas vezes o assunto retorna à mente dos poetas, pois poemas sobre
a matéria são reiterados em literaturas do mundo inteiro. Por estas paragens, vezes
sem conta inserto em antologias da poesia pátria, poderíamos citar de memória o
poeta fluminense Casimiro de Abreu, com o seu proverbial “Meus Oito Anos”.
J.A.R. – H.C.
Hamo Sarian
(1914-1993)
Outrora...
Outrora,
quando tudo era
simples demais,
simples como alma de
criança,
era o mundo um
pequeno jardim,
um pequeno quintal,
uma colina pequena.
Mas já não é assim.
Trigo era trigo, nada
mais;
cevada era cevada,
nada mais;
era tudo
compreensível,
em nada, nada,
se acoutavam
mistérios.
Mas já não é assim.
Agora?
as montanhas são
séculos dormentes,
são histórias
esculpidas;
são túmulos todas as
pedras,
são pedaços
de glórias do
passado.
Cada rocha
é um documento
antigo;
nas marcas de cada
passo
repousa uma grande
vida
de outros tempos;
cada caule é um oco
de cálamo
soltando chamas auriverdes.
Cantos silentes,
mudos murmúrios das
rezas de avós
é o arco-íris;
nas searas e escarpas
as sendas são rastros
de viajantes
há muito sepultados.
Em cada vale
se escondem ânsias,
de cada fonte
saem jorros de
lágrimas;
a brisa é o
cavalheiro bom da estória;
cavalheiro de
romance, o vendaval.
Tudo é mistério,
é forma,
é pesadelo
difícil de suportar.
Feliz quem,
crescendo,
permaneceu criança,
para quem ainda o mundo
é jardim de lazer.
Três meninas no jardim de rosas
(Konstantin Razumov:
pintor russo)
Referência:
SARIAN, Hamo. Outrora... Provável
tradução de Yessai Kerouzian. In: KEROUZIAN, Yessai Ohannes (Organizador e
provável tradutor). A nova poesia armênia.
[São Paulo (SP)?]: [s.ed.]; [1982?]. p. 174-175. (Série ‘Armênia’; nº 8).
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