Não há plena identidade entre um vocábulo que caracteriza uma realidade,
quer tangível quer intangível, e a própria realidade: a palavra “andorinha” não
é uma andorinha; por igual, a palavra “Deus” nada diz sobre a imanência do
Eterno; mais ainda, do vocábulo “amor” não se diz que tenha as propriedades
desse sentimento.
Mas a suma do poeta gaúcho engloba tudo isso na dimensão superior de
Deus, mesmo que este se expresse de um modo dual, como o frio e o calor ou o calmo
e o tempestuoso. Assim, defrontamo-nos com um mistério insolúvel para o
pensamento humano, pois quando Deus se apresenta a Moisés, o faz de um modo
surpreendentemente autorreferente: “Eu sou o que sou.” (Êxodo 3:14). E permanecemos
no mesmo ponto de incompreensão...
J.A.R. – H.C.
Carlos Nejar
(1939)
Deus não é a palavra Deus
Deus não é a palavra
Deus
e andorinha,
a palavra andorinha.
Há um poço
que não entra
na
palavra poço.
O amor, na palavra
amor.
E Deus é tudo isso.
Deus dos Anfitriões
(Viktor M. Vasnetsóv:
artista russo)
Referência:
NEJAR, Carlos. Deus não é a palavra
deus. In: __________. Antologia poética
de Carlos Nejar. Prefácio, organização e selecção de António Osório. 1. ed.
Cascais, PT: Pergaminho, 2003. p. 98. (‘Poesia Fértil: lembrando Paul Eluard’;
nº 4)
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