O tema da tela destrinchada por Trevisan – pintada por El Greco em 1586 –,
a justapor o plano terreno ao celestial, remonta a uma lenda do início do
século XIV, mais especificamente, a 1312, segundo a qual, na época em que o Conde
de Orgaz foi assassinado, Santo Estêvão e Santo Agostinho desceram pessoalmente
do céu e o enterraram com suas próprias mãos.
Os versos de Trevisan descrevem suficientemente bem o que se revela mais
abaixo, no detalhe da precitada obra. O recorte da imagem, infelizmente,
permite visualizar somente parte do “burel escultórico” do monge, muito embora
a cena capturada faculte contemplar o quanto há de riqueza cromática e de expressividade
nos rostos dos presentes às exéquias.
J.A.R. – H.C.
Armindo Trevisan
(n. 1933)
El Greco
No quadro de El
Greco: O Enterro do Conde de Orgaz,
o morto, apanhado
como um bebê que adormeceu
na casa de amigos,
cativa o olhar dos espectadores
que reparam nas
lindas golas alçadas, nos rostos ovoides
(equilibrada
disposição de objetos
que a vida ameaça
explodir); convém,
por um momento,
acariciar os paramentos
do Bispo, do Diácono,
cuja borla
roça a armadura do
cavaleiro,
nenúfar que as águas
impelem sobre pedras.
À esquerda, o monge,
no seu burel escultórico;
aos lados, quatro
archotes; no céu,
Cristo, sua Mãe, os
Anjos e Santos
derramando-se com a
fluidez de perfumes. Mas,
que fica dessa tela,
vulcânica e sorridente?
A mão branca, talvez,
entre o diácono e o prelado,
a calmaria das faces
com flexões
litúrgicas, onde a morte
não aparece, mas
sopra, à guisa de um hálito
embaciando o cristal
de lágrimas geladas.
Em: “Os Olhos da Noite” (1997)
O Enterro do Conde de Orgaz
Detalhe
(El Greco: artista
grego)
Referência:
TREVISAN, Armindo. El Greco. In:
__________. Nova antologia poética:
1967-2001. Porto Alegre, RS: Sulina, 2001. p. 192.
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