Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Armindo Trevisan - El Greco

O tema da tela destrinchada por Trevisan – pintada por El Greco em 1586 –, a justapor o plano terreno ao celestial, remonta a uma lenda do início do século XIV, mais especificamente, a 1312, segundo a qual, na época em que o Conde de Orgaz foi assassinado, Santo Estêvão e Santo Agostinho desceram pessoalmente do céu e o enterraram com suas próprias mãos.

Os versos de Trevisan descrevem suficientemente bem o que se revela mais abaixo, no detalhe da precitada obra. O recorte da imagem, infelizmente, permite visualizar somente parte do “burel escultórico” do monge, muito embora a cena capturada faculte contemplar o quanto há de riqueza cromática e de expressividade nos rostos dos presentes às exéquias.

J.A.R. – H.C.

Armindo Trevisan
(n. 1933)

El Greco

No quadro de El Greco: O Enterro do Conde de Orgaz,
o morto, apanhado como um bebê que adormeceu
na casa de amigos, cativa o olhar dos espectadores
que reparam nas lindas golas alçadas, nos rostos ovoides
(equilibrada disposição de objetos
que a vida ameaça explodir); convém,
por um momento, acariciar os paramentos
do Bispo, do Diácono, cuja borla
roça a armadura do cavaleiro,
nenúfar que as águas impelem sobre pedras.
À esquerda, o monge, no seu burel escultórico;
aos lados, quatro archotes; no céu,
Cristo, sua Mãe, os Anjos e Santos
derramando-se com a fluidez de perfumes. Mas,
que fica dessa tela, vulcânica e sorridente?
A mão branca, talvez, entre o diácono e o prelado,
a calmaria das faces
com flexões litúrgicas, onde a morte
não aparece, mas sopra, à guisa de um hálito
embaciando o cristal de lágrimas geladas.

Em: “Os Olhos da Noite” (1997)

O Enterro do Conde de Orgaz
Detalhe
(El Greco: artista grego)

Referência:

TREVISAN, Armindo. El Greco. In: __________. Nova antologia poética: 1967-2001. Porto Alegre, RS: Sulina, 2001. p. 192.

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