Os poetas são muito hábeis a vislumbrar possibilidades da linguagem que,
a outros, se limitam a, quando muito, descrever literalmente ou o que veem ou
as circunstâncias lógicas de tudo o quanto esteja a seu alcance. Mas a mirada
do vate é algo que não se circunscreve ao plano meramente lógico, porque o
objeto de seu trato – a poesia – distribui o seu plasma por onde quer que ele
pouse a vista.
Veja o leitor, por exemplo, este poema da poetisa portuguesa: na mão da
maioria, o tema resultaria delimitado e algo estático, denotativo demais. Mas , nas mãos de Andresen, se converte num belo exemplar de como a palavra pode ser
empregada para dar contornos elegantes e inusitados a uma imagem à beira da
trivialidade.
J.A.R. – H.C.
Sophia de M. B. Andresen
(1919-2004)
Praia
Os pinheiros gemem
quando passa o vento
O sol bate no chão e
as pedras ardem.
Longe caminham os
deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e
brilhantes como peixes.
Pássaros selvagens de
repente,
Atirados contra a luz
como pedradas,
Sobem e morrem no céu
verticalmente
E o seu corpo é
tomado nos espaços.
As ondas marram
quebrando contra a luz
A sua fronte ornada
de colunas.
E uma antiquíssima
nostalgia de ser mastro
Baloiça nos
pinheiros.
Guarda-Sol
(Edward H. Potthast:
pintor norte-amerciano)
Referência:
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Praia.
In: __________. Coral e outros poemas.
Seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2018. p. 85.
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