Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Friedrich Nietzsche - A Palavra

“As palavras têm poder”: assim costumamos atribuir força aos vocábulos. E, apesar de elas serem mera verbalização, encetam ações no plano real: esse é o mote principal que levou o grande filósofo da linguagem inglês John L. Austin (1911-1960) a redigir uma de suas principais obras, a saber, “How to Do Things with Words” (“Como Fazer Coisas com as Palavras”), de 1955.

Neste poema, outro grande filósofo, o alemão Friedrich Nietzsche tece loas às palavras, tantas vezes por ele empregadas para erigir a sua “filosofia às marteladas”, tal como ele próprio a caracterizou no subtítulo de um de seus mais comentados livros, qual seja, “Götzen-Dämmerung oder Wie man mit dem Hammer philosophirt” (“O Crepúsculo dos Ídolos ou como Filosofar com um Martelo”), de 1889.

J.A.R. – H.C.

Friedrich Nietzsche
(1844-1900)

Das Wort

Lebendgem Worte bin ich gut:
Das springt heran so wohlgemut,
Das grüsst mit artigem Genick,
Ist lieblich selbst im Ungeschick,
Hat Blut in sieh, kann herzhaft schnauben,
Kriecht dann zum Ohre selbst dem Tauben,
Und ringelt sieh und flattert jetzt,
Und was es tut – das Wort ergetzt.

Doch bleibt das Wort ein zartes Wesen,
Bald krank und aber bald genesen.
Willt ihm sein kleines Leben lassen,
Musst du es leicht und zierlich fassen,
Nicht plump betasten und bedrücken,
Es stirbt oft schon an bósen Blicken –
Und liegt dann da, so ungestalt,
So seelenlos, so arm und kalt,
Sein kleiner Leichnam arg verwandelt,
Von Tod und Sterben missgehandelt.

Ein totes Wort – ein hasslich Ding,
Ein klapperdürres Kling-Kling-Kling.
Pfui allen hdsslichen Gewerben,
An denen Wort und Wórtchen sterben!

Vale Dedham
(John Constable: pintor inglês)

A Palavra

À palavra viva é que eu tenho amor:
Salta tão jovial ao nosso encontro,
Saúda com gesto gracioso,
É bela mesmo sem jeito,
Tem sangue, é capaz de esbravejar com brio,
E então entra até nas orelhas de um surdo,
Encaracola-se e põe-se a voar,
E em tudo o que faz – a palavra encanta.

Mas a palavra é um ser delicado,
Ora doente, ora outra vez sadia.
Se lhe queres poupar a pequenina vida,
Tens de lhe pegar com leveza e graça,
Sem a apalpares nem a apertares à bruta,
Que ela morre por vezes já de um mau olhar –
E aí fica ela, tão desfigurada,
Tão sem alma, tão pobre e fria,
O seu corpinho a tal ponto transformado,
Da morte e da agonia mal-tratado.

Uma palavra morta – feia coisa,
Um chocalhante e seco cling-ling-ling.
Fora esses ofícios hediondos
Que fazem morrer as palavrinhas!

Referência:

NIETZSCHE, Friedrich. Das wort / A palavra. Tradução de Paulo Quintela. In: __________. Poemas. Selecção, versão portuguesa, prefácio e notas de Paulo Quintela. Edição bilíngue. 3. ed. revisada. Coimbra, PT: Centelha, 1986. Em alemão: p. 202; em português: p. 203.

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