“As palavras têm poder”: assim costumamos atribuir força aos vocábulos.
E, apesar de elas serem mera verbalização, encetam ações no plano real: esse é
o mote principal que levou o grande filósofo da linguagem inglês John L. Austin
(1911-1960) a redigir uma de suas principais obras, a saber, “How to Do Things
with Words” (“Como Fazer Coisas com as Palavras”), de 1955.
Neste poema, outro grande filósofo, o alemão Friedrich Nietzsche tece
loas às palavras, tantas vezes por ele empregadas para erigir a sua “filosofia
às marteladas”, tal como ele próprio a caracterizou no subtítulo de um de seus mais
comentados livros, qual seja, “Götzen-Dämmerung oder Wie man mit dem Hammer
philosophirt” (“O Crepúsculo dos Ídolos ou como Filosofar com um Martelo”), de 1889.
J.A.R. – H.C.
Friedrich Nietzsche
(1844-1900)
Das Wort
Lebendgem Worte bin
ich gut:
Das springt heran so
wohlgemut,
Das grüsst mit
artigem Genick,
Ist lieblich selbst
im Ungeschick,
Hat Blut in sieh,
kann herzhaft schnauben,
Kriecht dann zum Ohre
selbst dem Tauben,
Und ringelt sieh und
flattert jetzt,
Und was es tut – das
Wort ergetzt.
Doch bleibt das Wort
ein zartes Wesen,
Bald krank und aber
bald genesen.
Willt ihm sein
kleines Leben lassen,
Musst du es leicht
und zierlich fassen,
Nicht plump betasten
und bedrücken,
Und liegt dann da, so
ungestalt,
So seelenlos, so arm
und kalt,
Sein kleiner Leichnam
arg verwandelt,
Von Tod und Sterben
missgehandelt.
Ein totes Wort – ein
hasslich Ding,
Ein klapperdürres
Kling-Kling-Kling.
Pfui allen hdsslichen
Gewerben,
An denen Wort und
Wórtchen sterben!
Vale Dedham
(John Constable:
pintor inglês)
A Palavra
À palavra viva é que
eu tenho amor:
Salta tão jovial ao
nosso encontro,
Saúda com gesto
gracioso,
É bela mesmo sem
jeito,
Tem sangue, é capaz
de esbravejar com brio,
E então entra até nas
orelhas de um surdo,
Encaracola-se e
põe-se a voar,
E em tudo o que faz –
a palavra encanta.
Mas a palavra é um
ser delicado,
Ora doente, ora outra
vez sadia.
Se lhe queres poupar
a pequenina vida,
Tens de lhe pegar com
leveza e graça,
Sem a apalpares nem a
apertares à bruta,
Que ela morre por
vezes já de um mau olhar –
E aí fica ela, tão
desfigurada,
Tão sem alma, tão
pobre e fria,
O seu corpinho a tal
ponto transformado,
Da morte e da agonia
mal-tratado.
Uma palavra morta –
feia coisa,
Um chocalhante e seco
cling-ling-ling.
Fora esses ofícios
hediondos
Que fazem morrer as
palavrinhas!
Referência:
NIETZSCHE, Friedrich. Das wort / A
palavra. Tradução de Paulo Quintela. In: __________. Poemas. Selecção, versão portuguesa, prefácio e notas de Paulo
Quintela. Edição bilíngue. 3. ed. revisada. Coimbra, PT: Centelha, 1986. Em
alemão: p. 202; em português: p. 203.
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