Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 19 de janeiro de 2020

Nicanor Parra - Solilóquio do Indivíduo

Carregado de ironias, este poema de Parra aborda o quanto de contrassenso é capaz de se sublinhar no processo humano dito evolutivo: o ente lírico identifica-se como o próprio representante da humanidade, saído das cavernas, trilhando os passos da história de forma não exatamente afirmativa, senão imponderada, muitas vezes inconsequente.

É a caricatura do homem transitando da solidão dos primórdios rumo ao domínio da natureza, da integração com os seus pares, dos extremos da era da tecnologia – e do regresso a uma outra situação de solidão, na era da pós-modernidade, quando se duvida até mesmo da existência de algum sentido para a experiência humana sobre a terra.

J.A.R. – H.C.

Nicanor Parra
(1914-2018)

Soliloquio del Individuo

Yo soy el Individuo.
Primero viví en una roca
(Allí grabé algunas figuras).
Luego busqué un lugar más apropiado.
Yo soy el Individuo.
Primero tuve que procurarme alimentos,
Buscar peces, pájaros, buscar leña,
(Ya me preocuparía de los demás asuntos).
Hacer una fogata,
Leña, leña, dónde encontrar un poco de leña,
Algo de leña para hacer una fogata,
Yo soy el Individuo.
Al mismo tiempo me pregunté,
Fui a un abismo lleno de aire;
Me respondió una voz:
Yo soy el Individuo.
Después traté de cambiarme a otra roca,
Allí también grabé figuras,
Grabé un río, búfalos,
Grabé una serpiente,
Yo soy el Individuo.
Pero no. Me aburrí de las cosas que hacía,
El fuego me molestaba,
Quería ver más,
Yo soy el Individuo.
Bajé a un valle regado por un río,
Allí encontré lo que necesitaba,
Encontré un pueblo salvaje,
Una tribu,
Yo soy el Individuo.
Vi que allí se hacían algunas cosas,
Figuras grababan en las rocas,
Hacían fuego, ¡también hacían fuego!
Yo soy el Individuo.
Me preguntaron que de dónde venía.
Contesté que sí, que no tenía planes determinados,
Contesté que no, que de allí en adelante.
Bien.
Tomé entonces un trozo de piedra que encontré en un río
Y empecé a trabajar con ella,
Empecé a pulirla,
De ella hice una parte de mi propia vida.
Pero esto es demasiado largo.
Corté unos árboles para navegar,
Buscaba peces,
Buscaba diferentes cosas,
(Yo soy el Individuo).
Hasta que me empecé a aburrir nuevamente.
Las tempestades aburren,
Los truenos, los relámpagos,
Yo soy el Individuo.
Bien. Me puse a pensar un poco,
Preguntas estúpidas se me venían a la cabeza.
Falsos problemas.
Entonces empecé a vagar por unos bosques.
Llegué a un árbol y a otro árbol;
Llegué a una fuente,
A una fosa en que se veían algunas ratas:
Aquí vengo yo, dije entonces,
¿Habéis visto por aquí una tribu,
Un pueblo salvaje que hace fuego?
De este modo me desplacé hacia el oeste
Acompañado por otros seres,
O más bien solo.
Para ver hay que creer, me decían,
Yo soy el Individuo.
Formas veía en la obscuridad,
Nubes tal vez,
Tal vez veía nubes, veía relámpagos,
A todo esto habían pasado ya varios días,
Yo me sentía morir;
Inventé unas máquinas,
Construí relojes,
Armas, vehículos,
Yo soy el Individuo.
Apenas tenía tiempo para enterrar a mis muertos,
Apenas tenía tiempo para sembrar,
Yo soy el Individuo.
Años más tarde concebí unas cosas,
Unas formas,
Crucé las fronteras
y permanecí fijo en una especie de nicho,
En una barca que navegó cuarenta días,
Cuarenta noches,
Yo soy el Individuo.
Luego vinieron unas sequías,
Vinieron unas guerras,
Tipos de color entraron al valle,
Pero yo debía seguir adelante,
Debía producir.
Produje ciencia, verdades inmutables,
Produje tanagras,
Di a luz libros de miles de páginas,
Se me hinchó la cara,
Construí un fonógrafo,
La máquina de coser,
Empezaron a aparecer los primeros automóviles,
Yo soy el Individuo.
Alguien segregaba planetas,
¡Árboles segregaba!
Pero yo segregaba herramientas,
Muebles, útiles de escritorio,
Yo soy el Individuo.
Se construyeron también ciudades,
Rutas
Instituciones religiosas pasaron de moda,
Buscaban dicha, buscaban felicidad,
Yo soy el Individuo.
Después me dediqué mejor a viajar,
A practicar, a practicar idiomas,
Idiomas,
Yo soy el Individuo.
Miré por una cerradura,
Sí, miré, qué digo, miré,
Para salir de la duda miré,
Detrás de unas cortinas,
Yo soy el Individuo.
Bien.
Mejor es tal vez que vuelva a ese valle,
A esa roca que me sirvió de hogar,
Y empiece a grabar de nuevo,
De atrás para adelante grabar
El mundo al revés.
Pero no: la vida no tiene sentido.

En: “Poemas y antipoemas” (1954)

O Homem Primitivo
(Odilon Redon: pintor francês)

Solilóquio do Indivíduo

Eu sou o Indivíduo.
Primeiro vivi numa rocha
(Ali gravei algumas figuras).
Depois procurei um lugar mais apropriado.
Eu sou o Indivíduo.
Primeiro tive que procurar alimentos,
Procurar peixes, pássaros, buscar lenha
(Depois me preocuparia com os outros assuntos).
Fazer uma fogueira,
Lenha, lenha, onde encontrar um pouco de lenha,
Alguma lenha para fazer uma fogueira,
Eu sou o Indivíduo.
Ao mesmo tempo me perguntei,
Fui a um abismo cheio de ar;
Uma voz me respondeu:
Eu sou o Indivíduo.
Depois tratei de me mudar para outra rocha,
Ali também gravei figuras,
Gravei um rio, búfalos,
Gravei uma serpente,
Eu sou o Indivíduo.
Mas não. Me entediei com as coisas que fazia,
O fogo me incomodava,
Queria ver mais,
Eu sou o Indivíduo.
Desci até um vale banhado por um rio,
Ali encontrei o que necessitava,
Encontrei um povo selvagem,
Uma tribo,
Eu sou o Indivíduo.
Vi que ali faziam algumas coisas,
Figuras gravavam nas rochas,
Faziam fogo, também faziam fogo!,
Eu sou o Indivíduo.
Me perguntaram de onde eu vinha.
Respondi que sim, que não tinha planos determinados,
Respondi que não, que dali para a frente.
Bem.
Então peguei um pedaço de pedra que encontrei num rio
E comecei a trabalhar nela,
Comecei a poli-la,
Dela fiz uma parte de minha própria vida.
Mas isso é longo demais.
Cortei umas árvores para navegar,
Procurava peixes,
Procurava diferentes coisas
(Eu sou o Indivíduo).
Até que comecei a me entediar novamente.
As tempestades entediam,
Os trovões, os relâmpagos,
Eu sou o Indivíduo.
Bem. Me pus a pensar um pouco,
Perguntas estúpidas me vinham à cabeça,
Falsos problemas.
Então comecei a vagar pelos bosques.
Cheguei a uma árvore e a outra árvore,
Cheguei a uma fonte,
A um fosso onde se viam alguns ratos:
Aqui estou eu, disse então,
Vocês viram por aqui uma tribo,
Um povo selvagem que faz fogo?
Desse modo me desloquei para o oeste
Acompanhado por outros seres,
Ou melhor, sozinho.
Para ver é preciso crer, me diziam,
Eu sou o Indivíduo.
Via formas na escuridão,
Nuvens talvez,
Talvez visse nuvens, via relâmpagos,
Nisso já haviam passado vários dias,
Eu me sentia morrer;
Inventei umas máquinas,
Construí relógios,
Armas, veículos,
Eu sou o Indivíduo.
Mal tinha tempo para enterrar meus mortos,
Mal tinha tempo para semear,
Eu sou o Indivíduo.
Anos depois concebi algumas coisas,
Umas formas,
Cruzei as fronteiras
E permaneci fixo numa espécie de nicho,
Numa barca que navegou quarenta dias,
Quarenta noites,
Eu sou o Indivíduo.
Depois vieram umas secas,
Vieram umas guerras,
Pessoas de cor entraram no vale,
Mas eu precisava seguir em frente,
Precisava produzir.
Produzi ciência, verdades imutáveis,
Produzi tânagras,
Dei à luz livros de milhares de páginas,
Minha cara inchou,
Construí um fonógrafo,
A máquina de costurar,
Começaram a aparecer os primeiros automóveis,
Eu sou o Indivíduo.
Alguém segregava planetas,
Segregava árvores!,
Mas eu segregava ferramentas,
Móveis, apetrechos de escritório,
Eu sou o Indivíduo.
Cidades foram construídas,
Estradas,
Instituições religiosas saíram de moda,
Procuravam alegria, procuravam felicidade,
Eu sou o Indivíduo.
Depois me dediquei mais a viajar,
A praticar, a praticar idiomas,
Idiomas,
Eu sou o Indivíduo.
Olhei por uma fechadura,
Sim, olhei, fazer o quê, olhei,
Para tirar a dúvida olhei,
Por trás de umas cortinas,
Eu sou o Indivíduo.
Bem.
Talvez seja melhor voltar àquele vale,
Àquela rocha que me serviu de lar,
E começar a gravar de novo,
De trás para a frente gravar
O mundo ao revés.
Mas não: a vida não tem sentido.

Em: “Poemas e antipoemas” (1954)

Referência:

PARRA, Nicanor. Soliloquio del individuo / Solilóquio do indivíduo. Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. In: __________. Só para maiores de cem anos: antologia (anti)poética. Seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2018. Em espanhol: p. 194-197; em português: p. 44-47.

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