Carregado de ironias, este poema de Parra aborda o quanto de
contrassenso é capaz de se sublinhar no processo humano dito evolutivo: o ente
lírico identifica-se como o próprio representante da humanidade, saído das
cavernas, trilhando os passos da história de forma não exatamente afirmativa,
senão imponderada, muitas vezes inconsequente.
É a caricatura do homem transitando da solidão dos primórdios rumo ao
domínio da natureza, da integração com os seus pares, dos extremos da era da
tecnologia – e do regresso a uma outra situação de solidão, na era da
pós-modernidade, quando se duvida até mesmo da existência de algum sentido para
a experiência humana sobre a terra.
J.A.R. – H.C.
Nicanor Parra
(1914-2018)
Soliloquio del Individuo
Yo soy el Individuo.
Primero viví en una
roca
(Allí grabé algunas
figuras).
Luego busqué un lugar
más apropiado.
Yo soy el Individuo.
Primero tuve que
procurarme alimentos,
Buscar peces,
pájaros, buscar leña,
(Ya me preocuparía de
los demás asuntos).
Hacer una fogata,
Leña, leña, dónde
encontrar un poco de leña,
Algo de leña para
hacer una fogata,
Yo soy el Individuo.
Al mismo tiempo me
pregunté,
Fui a un abismo lleno
de aire;
Me respondió una voz:
Yo soy el Individuo.
Después traté de
cambiarme a otra roca,
Allí también grabé
figuras,
Grabé un río,
búfalos,
Grabé una serpiente,
Yo soy el Individuo.
Pero no. Me aburrí de
las cosas que hacía,
El fuego me
molestaba,
Quería ver más,
Yo soy el Individuo.
Bajé a un valle regado
por un río,
Allí encontré lo que
necesitaba,
Encontré un pueblo
salvaje,
Una tribu,
Yo soy el Individuo.
Vi que allí se hacían
algunas cosas,
Figuras grababan en
las rocas,
Hacían fuego,
¡también hacían fuego!
Yo soy el Individuo.
Me preguntaron que de
dónde venía.
Contesté que sí, que
no tenía planes determinados,
Contesté que no, que
de allí en adelante.
Bien.
Tomé entonces un
trozo de piedra que encontré en un río
Y empecé a trabajar
con ella,
Empecé a pulirla,
De ella hice una
parte de mi propia vida.
Pero esto es
demasiado largo.
Corté unos árboles
para navegar,
Buscaba peces,
Buscaba diferentes
cosas,
(Yo soy el
Individuo).
Hasta que me empecé a
aburrir nuevamente.
Las tempestades
aburren,
Los truenos, los
relámpagos,
Yo soy el Individuo.
Bien. Me puse a
pensar un poco,
Preguntas estúpidas
se me venían a la cabeza.
Falsos problemas.
Entonces empecé a
vagar por unos bosques.
Llegué a un árbol y a
otro árbol;
Llegué a una fuente,
A una fosa en que se
veían algunas ratas:
Aquí vengo yo, dije
entonces,
¿Habéis visto por aquí
una tribu,
Un pueblo salvaje que
hace fuego?
De este modo me
desplacé hacia el oeste
Acompañado por otros
seres,
O más bien solo.
Para ver hay que
creer, me decían,
Yo soy el Individuo.
Formas veía en la
obscuridad,
Nubes tal vez,
Tal vez veía nubes,
veía relámpagos,
A todo esto habían
pasado ya varios días,
Yo me sentía morir;
Inventé unas
máquinas,
Construí relojes,
Armas, vehículos,
Yo soy el Individuo.
Apenas tenía tiempo
para enterrar a mis muertos,
Apenas tenía tiempo
para sembrar,
Yo soy el Individuo.
Años más tarde
concebí unas cosas,
Unas formas,
Crucé las fronteras
y permanecí fijo en
una especie de nicho,
En una barca que
navegó cuarenta días,
Cuarenta noches,
Yo soy el Individuo.
Luego vinieron unas
sequías,
Vinieron unas
guerras,
Tipos de color
entraron al valle,
Pero yo debía seguir
adelante,
Debía producir.
Produje ciencia,
verdades inmutables,
Produje tanagras,
Di a luz libros de
miles de páginas,
Se me hinchó la cara,
Construí un
fonógrafo,
La máquina de coser,
Empezaron a aparecer
los primeros automóviles,
Yo soy el Individuo.
Alguien segregaba
planetas,
¡Árboles segregaba!
Pero yo segregaba
herramientas,
Muebles, útiles de
escritorio,
Yo soy el Individuo.
Se construyeron
también ciudades,
Rutas
Instituciones religiosas
pasaron de moda,
Buscaban dicha,
buscaban felicidad,
Yo soy el Individuo.
Después me dediqué
mejor a viajar,
A practicar, a
practicar idiomas,
Idiomas,
Yo soy el Individuo.
Miré por una
cerradura,
Sí, miré, qué digo,
miré,
Para salir de la duda
miré,
Detrás de unas
cortinas,
Yo soy el Individuo.
Bien.
Mejor es tal vez que
vuelva a ese valle,
A esa roca que me
sirvió de hogar,
Y empiece a grabar de
nuevo,
De atrás para
adelante grabar
El mundo al revés.
Pero no: la vida no
tiene sentido.
En: “Poemas y antipoemas” (1954)
O Homem Primitivo
(Odilon Redon: pintor
francês)
Solilóquio do Indivíduo
Eu sou o Indivíduo.
Primeiro vivi numa
rocha
(Ali gravei algumas
figuras).
Depois procurei um
lugar mais apropriado.
Eu sou o Indivíduo.
Primeiro tive que
procurar alimentos,
Procurar peixes,
pássaros, buscar lenha
(Depois me
preocuparia com os outros assuntos).
Fazer uma fogueira,
Lenha, lenha, onde
encontrar um pouco de lenha,
Alguma lenha para
fazer uma fogueira,
Eu sou o Indivíduo.
Ao mesmo tempo me perguntei,
Fui a um abismo cheio
de ar;
Uma voz me respondeu:
Eu sou o Indivíduo.
Depois tratei de me
mudar para outra rocha,
Ali também gravei
figuras,
Gravei um rio,
búfalos,
Gravei uma serpente,
Eu sou o Indivíduo.
Mas não. Me entediei
com as coisas que fazia,
O fogo me incomodava,
Queria ver mais,
Eu sou o Indivíduo.
Desci até um vale banhado
por um rio,
Ali encontrei o que
necessitava,
Encontrei um povo
selvagem,
Uma tribo,
Eu sou o Indivíduo.
Vi que ali faziam
algumas coisas,
Figuras gravavam nas
rochas,
Faziam fogo, também
faziam fogo!,
Eu sou o Indivíduo.
Me perguntaram de
onde eu vinha.
Respondi que sim, que
não tinha planos determinados,
Respondi que não, que
dali para a frente.
Bem.
Então peguei um pedaço
de pedra que encontrei num rio
E comecei a trabalhar
nela,
Comecei a poli-la,
Dela fiz uma parte de
minha própria vida.
Mas isso é longo demais.
Cortei umas árvores
para navegar,
Procurava peixes,
Procurava diferentes
coisas
(Eu sou o Indivíduo).
Até que comecei a me
entediar novamente.
As tempestades entediam,
Os trovões, os
relâmpagos,
Eu sou o Indivíduo.
Bem. Me pus a pensar
um pouco,
Perguntas estúpidas me
vinham à cabeça,
Falsos problemas.
Então comecei a vagar
pelos bosques.
Cheguei a uma árvore
e a outra árvore,
Cheguei a uma fonte,
A um fosso onde se
viam alguns ratos:
Aqui estou eu, disse
então,
Vocês viram por aqui
uma tribo,
Um povo selvagem que
faz fogo?
Desse modo me
desloquei para o oeste
Acompanhado por
outros seres,
Ou melhor, sozinho.
Para ver é preciso
crer, me diziam,
Eu sou o Indivíduo.
Via formas na
escuridão,
Nuvens talvez,
Talvez visse nuvens,
via relâmpagos,
Nisso já haviam
passado vários dias,
Eu me sentia morrer;
Inventei umas
máquinas,
Construí relógios,
Armas, veículos,
Eu sou o Indivíduo.
Mal tinha tempo para
enterrar meus mortos,
Mal tinha tempo para
semear,
Eu sou o Indivíduo.
Anos depois concebi
algumas coisas,
Umas formas,
Cruzei as fronteiras
E permaneci fixo numa
espécie de nicho,
Numa barca que
navegou quarenta dias,
Quarenta noites,
Eu sou o Indivíduo.
Depois vieram umas
secas,
Vieram umas guerras,
Pessoas de cor
entraram no vale,
Mas eu precisava
seguir em frente,
Precisava produzir.
Produzi ciência,
verdades imutáveis,
Produzi tânagras,
Dei à luz livros de
milhares de páginas,
Minha cara inchou,
Construí um
fonógrafo,
A máquina de costurar,
Começaram a aparecer
os primeiros automóveis,
Eu sou o Indivíduo.
Alguém segregava
planetas,
Segregava árvores!,
Mas eu segregava
ferramentas,
Móveis, apetrechos de
escritório,
Eu sou o Indivíduo.
Cidades foram
construídas,
Estradas,
Instituições
religiosas saíram de moda,
Procuravam alegria, procuravam
felicidade,
Eu sou o Indivíduo.
Depois me dediquei mais
a viajar,
A praticar, a
praticar idiomas,
Idiomas,
Eu sou o Indivíduo.
Olhei por uma fechadura,
Sim, olhei, fazer o quê,
olhei,
Para tirar a dúvida
olhei,
Por trás de umas
cortinas,
Eu sou o Indivíduo.
Bem.
Talvez seja melhor
voltar àquele vale,
Àquela rocha que me
serviu de lar,
E começar a gravar de
novo,
De trás para a frente
gravar
O mundo ao revés.
Mas não: a vida não
tem sentido.
Em: “Poemas e antipoemas” (1954)
Referência:
PARRA, Nicanor. Soliloquio del
individuo / Solilóquio do indivíduo. Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. In:
__________. Só para maiores de cem anos:
antologia (anti)poética. Seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet.
Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2018. Em espanhol: p.
194-197; em português: p. 44-47.
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