Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Wallace Stevens - Tudo depende do que lhe é oposto

Seria capaz de entrever um particular interesse de Stevens em sublinhar a unicidade das coisas, mesmo que, na aparência, possam elas se nos mostrar distintas. Explico-me melhor: os versos propõem-se a sugerir uma espécie de transcendência, encontrável em muitas das tradições orientais, segundo a qual tudo o que constitui a realidade encerra a coexistência de elementos opostos.

O mundo é essa clareza e, para as mesmas manifestações concretas, outras tantas, assim como determinado poeta – o plúrimo Fernando Pessoa – o descreve com bastante precisão em seu poema “Nem sempre sou igual no que digo e escrevo”, disponível neste endereço.

J.A.R. – H.C.

Wallace Stevens
(1879-1955)

Notes Toward a Supreme Fiction
It Must Change

IV

Two things of opposite natures seem to depend
On one another, as a man depends
On a woman, day on night, the imagined

On the real. This is the origin of change.
Winter and spring, cold copulers, embrace
And forth the particulars of rapture come.

Music falls on the silence like a sense,
A passion that we feel, not understand.
Morning and afternoon are clasped together

And North and South are an intrinsic couple
And sun and rain a plural, like two lovers
That walk away as one in the greenest body.

In solitude the trumpets of solitude
Are not of another solitude resounding;
A little string speaks for a crowd of voices.

The partaker partakes of that which changes him.
The child that touches takes character from the thing,
The body, it touches. The captain and his men

Are one and the sailor and the sea are one.
Follow after, O my companion, my fellow, my self,
Sister and solace, brother and delight.

In: “Transport to Summer” (1947)

Almas Gêmeas Eternas
(Lee Bogle: pintor norte-americano)

Apontamentos para uma Ficção Suprema
Deve Mudar

IV

Tudo depende do que lhe é oposto.
Assim depende o homem da mulher,
O dia da noite, o imaginado

Do real. É esta a origem das mudanças.
Inverno e primavera, em fria cópula,
Engendram os pormenores do enlevo.

Sobre o silêncio desce a música, um sentido,
Paixão que só se sente, não se entende.
Tarde e manhã se abraçam, norte e sul

Formam um casal intrínseco, e sol
E chuva um plural, como dois amantes
Fundidos num só corpo verdejante.

As trompas que na solidão ressoam
Não são de alguma outra solidão;
Uma só corda por muitas vezes fala.

Quem interage muda ao interagir.
A criança adquire o caráter da coisa,
Do corpo, que toca. O capitão e os marujos

São um só, e o marujo e o mar são um.
Vem, companheiro, minha irmã, meu eu,
Amigo e alívio, alegria e irmão.

Em: “Transporte para o Verão” (1947)

Referência:

STEVENS, Wallace. Two things of opposite natures seem to depend on one another / Tudo depende do que lhe é oposto. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas. Seleção, tradução, apresentação e notas de Paulo Henriques Britto. 1. ed. rev. e ampl. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 188 e 190; em português: p. 189 e 191.

Nenhum comentário:

Postar um comentário