O poeta grego se reporta ao desenlace da Batalha de Áccio, na qual as
forças de Cleópatra e Marco Antônio sucumbiram às de Otaviano, tendo o Deus de
Antônio – Dionísio pelo que se sabe – o abandonado, levando-o a perder tudo o
que ganhara em sua vida de muitas lutas, motivo pelo qual veio a cometer
suicídio “com dignidade”, aliás, assim como Cleópatra o fez posteriormente.
O enredo dessa história já o conhecemos da peça “Antônio e Cleópatra”
(1607), de autoria do bardo – há necessidade de nomeá-lo?! –, em
cuja Cena II do Ato II se descreve, na fala de Enobarbus, o exato momento em
que Antônio conhecera Cleópatra, assim vertido belamente ao português por Barbara
Heliodora (1923-2015):
Enobarbus
Eu vou contar-lhes:
A barca em que sentava, trono ardente,
Queimava as águas; era de ouro a popa;
As velas púrpura e tão perfumadas
Que estavam tontos de paixão os ventos;
Eram de prata os remos bem ritmados
Que, ao som das flautas, faziam as
águas
Em que batiam correr mais depressa,
Como se amando os golpes. Quanto a ela,
Nenhum retrato a iguala: recostada
Em seu dossel – brocado todo de ouro
Era mais bela do que a própria Vênus
Que, em sonhos, deixa pobre a Natureza.
A seu lado, meninos quais Cupidos
Sorriam, tendo abanos multicores,
Com cujo vento abrasava o que arejavam,
Refazendo o desfeito. (SHAKESPEARE,
2001, p. 64)
J.A.R. – H.C.
(1863-1933)
Απολείπειν ο θεός Αντώνιον
Σὰν ἔξαφνα, ὥρα μεσάνυχτ’, ἀκουσθεῖ
ἀόρατος θίασος νὰ περνᾶ
μὲ μουσικὲς ἐξαίσιες, μὲ φωνές –
τὴν τύχη σου ποῦ ἐνδίδει πιά, τὰ ἔργα σου
ποῦ ἀπέτυχαν, τὰ σχέδια τῆς ζωῆς σου
ποῦ βγῆκαν ὅλα πλάνες, μὴ ἀνοφέλετα θρηνήσεις.
Σὰν ἕτοιμος ἀπὸ καιρό, σὰ θαρραλέος,
ἀποχαιρέτα την, τὴν Ἀλεξάνδρεια ποῦ φεύγει.
Πρὸ πάντων νὰ μὴ γελασθεῖς, μὴν πεῖς πῶς ἦταν
ἕνα ὄνειρο, πῶς ἀπατήθηκεν ἡ ἀκοή σου·
μάταιες ἐλπίδες τέτοιες μὴν καταδεχθεῖς.
Σὰν ἕτοιμος ἀπὸ καιρό, σὰ θαρραλέος,
σὰν ποῦ ταιριάζει σε ποῦ ἀξιώθηκες μιὰ τέτοια πόλι,
πλησίασε σταθερὰ πρὸς τὸ παράθυρο,
κι ἄκουσε μὲ συγκίνησιν, ἀλλ’ ὄχι
μὲ τῶν δειλῶν τὰ παρακάλια καὶ παράπονα,
ὡς τελευταία ἀπόλαυσι τοὺς ἤχους,
τὰ ἐξαίσια ὄργανα τοῦ μυστικοῦ θιάσου,
κι ἀποχαιρέτα την, τὴν Ἀλεξάνδρεια ποῦ χάνεις.
(Lorenzo A. Castro:
pintor flamengo)
O Deus abandona Antônio
Quando, à meia-noite,
de súbito escutares
um tiaso invisível a
passar
com músicas
esplêndidas, com vozes –
a tua Fortuna que se
rende, as tuas obras
que malograram, os
planos de tua vida
que se mostraram
mentirosos, não os chores em vão.
Como se pronto há
muito tempo, corajoso,
diz adeus à
Alexandria que de ti se afasta.
E sobretudo não te
iludas, alegando
que tudo foi um
sonho, que teu ouvido te enganou.
Como se pronto há
muito tempo, corajoso,
como cumpre a quem
mereceu uma cidade assim,
acerca-te com firmeza
da janela
e ouve com emoção,
mas ouve sem
as lamentações ou as
súplicas dos fracos,
num derradeiro
prazer, os sons que passam,
os raros instrumentos
do místico tiaso,
e diz adeus à
Alexandria que ora perdes.
(Folhetim, 16.05.82)
Referências:
Em Grego
ΚΑΒΆΦΗΣ, Κωνσταντίνος. Απολείπειν ο θεός Αντώνιον. Disponível neste endereço. Acesso em: 31 out. 2019.
Em Português
KAVÁFIS, Konstantinos. O Deus abandona
Antônio. Tradução de José Paulo Paes. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson
(Organizadores). Folhetim: poemas
traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 126.
SHAKESPEARE, William. Antônio e Cleópatra. Tradução de
Barbara Heliodora. Rio de Janeiro, RJ: Lacerda, 2001.
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