Sonhar coisas claras: essa a atribuição de um engenheiro. Solidez,
cálculo, invectivas contra o céu aberto. Cimento, vidro, formas puras,
preferencialmente a se integrar aos elementos da natureza: misturas de plantas
racionais – estabilidade, segurança e métricas –, com outras tantas plantas,
vegetais – flora que circunda o edifício e lhe traz encantamento.
A valoração fica por conta de quem contempla o prédio: belos e ornados,
como os do período neoclássico; funcionais e de linhas contemporâneas, como os
que se projetam nos centros mais avançados, milimetricamente planificados por
computador. E o burgo corporifica-se em formas e volumes a preencher o espaço
da urbe (e a tornar vazios os seus inquilinos).
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
O engenheiro
A luz, o sol, o ar
livre
envolvem o sonho do
engenheiro.
O engenheiro sonha
coisas claras:
superfícies, tênis,
um copo de água.
O lápis, o esquadro,
o papel;
o desenho, o projeto,
o número:
o engenheiro pensa o
mundo justo,
mundo que nenhum véu
encobre.
(Em certas tardes nós
subíamos
ao edifício. A cidade
diária,
como um jornal que todos
liam,
ganhava um pulmão de
cimento e vidro.)
A água, o vento, a
claridade
de um lado o rio, no
alto as nuvens,
situavam na natureza
o edifício
crescendo de suas
forças simples.
Em: “O engenheiro” (1942-1945)
Via Perigosa
(George Grosz:
artista alemão)
Referência:
MELO NETO, João Cabral. O engenheiro.
In: __________. Da educação pela pedra à
pedra do sono: antologia poética. 1. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro,
1986. p. 237.
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Adorei o blog. Cabral, o engenheiro, o poeta que não acreditava em inspiração. E como estava certo! Abraços!
ResponderExcluirValeu muito pelo comentário, Elias: Melo Neto, de fato, é um poeta e tanto, pois o que há de mais representativo em sua poesia, a meu ver, é exatamente o lado racional, que se pretende prismático, com linhas de força para onde quer que o leitor seja capaz de capturar-lhe os sentidos.
ResponderExcluirUm abraço,
João A. Rodrigues