Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

João Cabral de Melo Neto - O engenheiro

Sonhar coisas claras: essa a atribuição de um engenheiro. Solidez, cálculo, invectivas contra o céu aberto. Cimento, vidro, formas puras, preferencialmente a se integrar aos elementos da natureza: misturas de plantas racionais – estabilidade, segurança e métricas –, com outras tantas plantas, vegetais – flora que circunda o edifício e lhe traz encantamento.

A valoração fica por conta de quem contempla o prédio: belos e ornados, como os do período neoclássico; funcionais e de linhas contemporâneas, como os que se projetam nos centros mais avançados, milimetricamente planificados por computador. E o burgo corporifica-se em formas e volumes a preencher o espaço da urbe (e a tornar vazios os seus inquilinos).

J.A.R. – H.C.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

O engenheiro

A luz, o sol, o ar livre
envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.

O lápis, o esquadro, o papel;
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.

(Em certas tardes nós subíamos
ao edifício. A cidade diária,
como um jornal que todos liam,
ganhava um pulmão de cimento e vidro.)

A água, o vento, a claridade
de um lado o rio, no alto as nuvens,
situavam na natureza o edifício
crescendo de suas forças simples.

Em: “O engenheiro” (1942-1945)

Via Perigosa
(George Grosz: artista alemão)

Referência:

MELO NETO, João Cabral. O engenheiro. In: __________. Da educação pela pedra à pedra do sono: antologia poética. 1. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1986. p. 237.

2 comentários:

  1. Adorei o blog. Cabral, o engenheiro, o poeta que não acreditava em inspiração. E como estava certo! Abraços!

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  2. Valeu muito pelo comentário, Elias: Melo Neto, de fato, é um poeta e tanto, pois o que há de mais representativo em sua poesia, a meu ver, é exatamente o lado racional, que se pretende prismático, com linhas de força para onde quer que o leitor seja capaz de capturar-lhe os sentidos.
    Um abraço,
    João A. Rodrigues

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