Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 7 de dezembro de 2019

Vinicius de Moraes - O tempo nos parques

Ao ler este poema de Vinicius, recordei-me, primeiramente, das duas oportunidades em que estive no Jardim Botânico do Rio de Janeiro – com as suas frondosas palmeiras imperiais na ala de entrada – e, depois, da única vez em que fui flanar no Jardim Botânico de Brasília – e me contristei com o estado em que se encontrava o espaço ali dedicado à grande artista inglesa Margaret Mee (1909-1988).

Mas o melhor de tudo é reconhecer como um poeta, a exemplo de Vinicius, mostra-se capaz de capturar o estado em que a alma mergulha ao se ver rodeada pela natureza: é como se adentrássemos um estágio de existência mais saudável, feliz e expedito – experimentando as mãos sujas e os pés molhados –, fazendo-nos sentir mais vivos, obviamente distantes de nossas ruminações quotidianas.

J.A.R. – H.C.

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

O tempo nos parques

O tempo nos parques é íntimo, inadiável, imparticipante,
imarcescível.
Medita nas altas frondes, na última palma da palmeira
Na grande pedra intacta, o tempo nos parques.
O tempo nos parques cisma no olhar cego dos lagos
Dorme nas furnas, isola-se nos quiosques
Oculta-se no torso muscular dos fícus, o tempo nos parques.
O tempo nos parques gera o silêncio do piar dos pássaros
Do passar dos passos, da cor que se move ao longe.
É alto, antigo, presciente o tempo nos parques
É incorruptível; o prenúncio de uma aragem
A agonia de uma folha, o abrir-se de uma flor
Deixam um frêmito no espaço do tempo nos parques.
O tempo nos parques envolve de redomas invisíveis
Os que se amam; eterniza os anseios, petrifica
Os gestos, anestesia os sonhos, o tempo nos parques.
Nos homens dormentes, nas pontes que fogem, na franja
Dos chorões, na cúpula azul o tempo perdura
Nos parques; e a pequenina cutia surpreende
A imobilidade anterior desse tempo no mundo
Porque imóvel, elementar, autêntico, profundo
É o tempo nos parques.

A cidade vista do outro lado do lago
(Leonid Afremov: pintor israelense)

Referência:

MORAES, Vinicius. O tempo nos parques. In: __________. Antologia poética. 14ª reimpressão. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2000. p. 160.

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