Ao ler este poema de Vinicius, recordei-me, primeiramente, das duas
oportunidades em que estive no Jardim Botânico do Rio de Janeiro – com as suas
frondosas palmeiras imperiais na ala de entrada – e, depois, da única vez em
que fui flanar no Jardim Botânico de Brasília – e me contristei com o estado em
que se encontrava o espaço ali dedicado à grande artista inglesa Margaret Mee
(1909-1988).
Mas o melhor de tudo é reconhecer como um poeta, a exemplo de Vinicius, mostra-se
capaz de capturar o estado em que a alma mergulha ao se ver rodeada pela
natureza: é como se adentrássemos um estágio de existência mais saudável, feliz
e expedito – experimentando as mãos sujas e os pés molhados –, fazendo-nos
sentir mais vivos, obviamente distantes de nossas ruminações quotidianas.
J.A.R. – H.C.
Vinicius de Moraes
(1913-1980)
O tempo nos parques
O tempo nos parques é
íntimo, inadiável, imparticipante,
imarcescível.
Medita nas altas
frondes, na última palma da palmeira
Na grande pedra
intacta, o tempo nos parques.
O tempo nos parques
cisma no olhar cego dos lagos
Dorme nas furnas,
isola-se nos quiosques
Oculta-se no torso
muscular dos fícus, o tempo nos parques.
O tempo nos parques
gera o silêncio do piar dos pássaros
Do passar dos passos,
da cor que se move ao longe.
É alto, antigo,
presciente o tempo nos parques
É incorruptível; o
prenúncio de uma aragem
A agonia de uma
folha, o abrir-se de uma flor
Deixam um frêmito no
espaço do tempo nos parques.
O tempo nos parques envolve
de redomas invisíveis
Os que se amam;
eterniza os anseios, petrifica
Os gestos, anestesia
os sonhos, o tempo nos parques.
Nos homens dormentes,
nas pontes que fogem, na franja
Dos chorões, na
cúpula azul o tempo perdura
Nos parques; e a
pequenina cutia surpreende
A imobilidade
anterior desse tempo no mundo
Porque imóvel,
elementar, autêntico, profundo
É o tempo nos
parques.
A cidade vista do outro lado do lago
(Leonid Afremov:
pintor israelense)
Referência:
MORAES, Vinicius. O tempo nos parques. In:
__________. Antologia poética. 14ª
reimpressão. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2000. p. 160.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário