Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Lêdo Ivo - Ser e saber

O saber a que se refere Ivo é o que espreita o correlato verbete “sabedoria”, muito próximo à vivência empírica, não racionalizada pelas palavras – “o vento que sopra / a chuva que cai / e o amor” –, algo distante, portanto, daquele saber veiculado pelo teor da ciência, derivado da pesquisa e do aprendizado acadêmico.

Diz-nos o poeta que, assim como as formigas se escondem na ranhura das pedras, os homens se escondem entre as palavras: isto porque o raciocínio verbal, como se deduz, muitas vezes dissimula razões diversas daquelas evidenciadas pelas situações fáticas, eis que engajado num discurso que não busca consenso dialogal algum, senão o estabelecimento unilateral da cobiça de quem o emite.

J.A.R. – H.C.

Lêdo Ivo
(1924-2012)

Ser e saber

Vi o vento soprar
e a noite descer.
Ouvi o grilo saltar
na grama estremecida.

Pisei a água
mais bela que a terra.
Vi a flor abrir-se
como se abrem as conchas.

O dia e a noite se uniram
para ungir-me.
O enlace de luz e sombra
cingiu os meus sonhos.

Vi a formiga esconder-se
na ranhura da pedra.
Assim se escondem os homens
entre as palavras.

A beleza do mundo me sustenta.
É o formoso pão matinal
que a mão mais humilde deposita
na mesa que separa.

Jamais serei um estrangeiro.
Não temo nenhum exílio.
Cada palavra minha
é uma pátria secreta.

Sou tudo o que é partilha
o trovão a claridade
os lábios do mundo
todas as estrelas que passam.

Só conheço a origem:
a água negra que lambe a terra
e os goiamuns à espreita
entre as raízes do mangue.

Só sei o que não aprendi:
o vento que sopra
a chuva que cai
e o amor.

A leiteira
(Johann Vermeer: pintor holandês)

Referência:

IVO, Lêdo. Ser e saber. In: __________. Crepúsculo civil. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1990. p. 14-15.

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