Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Lêdo Ivo - Poema de Natal

Um Natal em meio à natureza mais remota, em plena floresta, a divagar com a amada pelo alpendre de hipotética pousada, escutando o estrondo de rajadas de ventos e de trovões, bem assim de torrentes d’água, lavando a noite, purificando as nódoas da vida, enquanto os sentidos vão ficando entorpecidos pela bebida.

É nesse diapasão que o poeta retrata o seu Natal, passado nas imediações de uma cordilheira – “pista errada” –, mas que o leva a uma loquacidade sem par, aproximando-o do “freixo puro das palavras de amor”, a rasgar o véu a cada manhã, para que a eternidade possa se materializar em vida atravessando centúrias – como no caso de uma sequoia.

J.A.R. – H.C.

Lêdo Ivo
(1924-2012)

Poema de Natal

Este será meu Natal:
mel bebido em cordilheira,
pista errada! profundeza
de urna e clarão, e orelha
surda aos tambores do vento.

Contemplei uma sequoia
na floresta; retardei
o fogo no campo nu
como o beijo em tua espádua.

Este será nosso Natal:
a volta à cicatriz da vida inteira,
a canção que te exalta, o freixo puro
das palavras de amor.
Como as rosas, que progridem através dos séculos
e são eternamente inéditas a cada manhã
– tão jamais vistas que às vezes mal as reconhecemos
é tua flor de hoje, meu amor.

A liana que enlaça os minutos
não voltará a perturbar-nos.
Pólen que a água transporta,
canoa em planetas de chuva,
pá de relâmpago nos céus,
tudo isso é nosso. É Natal.

As nossas vidas, um dia
irão até às fronteiras
das solitudes extremas.
Entre esses polos, a vida
bebe as lágrimas do mundo.

Ficaremos sempre bêbedos.
Cantaremos junto ao mar.
Dançaremos nos terraços
sob os archotes das horas.
Gritaremos! Saltaremos!
E depois desmontaremos
a máquina do Natal.

A Noite do Papai Noel Antes do Natal
(Thomas Kinkade: pintor norte-americano)

Referência:

IVO, Lêdo. Poema de Natal. In: __________. Linguagem: 1949-1951. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora, 1951. p. 40-41.

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