Um Natal em meio à natureza mais remota, em plena floresta, a divagar
com a amada pelo alpendre de hipotética pousada, escutando o estrondo de
rajadas de ventos e de trovões, bem assim de torrentes d’água, lavando a noite,
purificando as nódoas da vida, enquanto os sentidos vão ficando entorpecidos
pela bebida.
É nesse diapasão que o poeta retrata o seu Natal, passado nas imediações
de uma cordilheira – “pista errada” –, mas que o leva a uma loquacidade sem
par, aproximando-o do “freixo puro das palavras de amor”, a rasgar o véu a cada
manhã, para que a eternidade possa se materializar em vida atravessando
centúrias – como no caso de uma sequoia.
J.A.R. – H.C.
Lêdo Ivo
(1924-2012)
Poema de Natal
Este será meu Natal:
mel bebido em
cordilheira,
pista errada!
profundeza
de urna e clarão, e
orelha
surda aos tambores do
vento.
Contemplei uma
sequoia
na floresta; retardei
o fogo no campo nu
como o beijo em tua
espádua.
Este será nosso
Natal:
a volta à cicatriz da
vida inteira,
a canção que te
exalta, o freixo puro
das palavras de amor.
Como as rosas, que
progridem através dos séculos
e são eternamente
inéditas a cada manhã
– tão jamais vistas
que às vezes mal as reconhecemos
é tua flor de hoje,
meu amor.
A liana que enlaça os
minutos
não voltará a
perturbar-nos.
Pólen que a água
transporta,
canoa em planetas de
chuva,
pá de relâmpago nos
céus,
tudo isso é nosso. É
Natal.
As nossas vidas, um
dia
irão até às
fronteiras
das solitudes
extremas.
Entre esses polos, a
vida
bebe as lágrimas do
mundo.
Ficaremos sempre
bêbedos.
Cantaremos junto ao
mar.
Dançaremos nos
terraços
sob os archotes das
horas.
Gritaremos!
Saltaremos!
E depois
desmontaremos
a máquina do Natal.
A Noite do Papai Noel Antes do Natal
(Thomas Kinkade:
pintor norte-americano)
Referência:
IVO, Lêdo. Poema de Natal. In: __________. Linguagem: 1949-1951. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora, 1951. p. 40-41.
IVO, Lêdo. Poema de Natal. In: __________. Linguagem: 1949-1951. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora, 1951. p. 40-41.
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