Mallarmé, em sua tentativa de encontrar, no amor, um meio de converter o
ideal em manifestação real, transfigura a relação com sua esposa em outro tipo
de vínculo com a figura da fada-mulher: a do vulto materno, acomodando-o nos
versos finais do poema.
As coisas mudam na vida e ela avança sob o efeito de nossas escolhas: se,
no início, tudo aparenta emergir de um sonho, com as descrições da natureza
imprimindo um tom melancólico ao poema; no fim, é a própria natureza que parece
compartilhar o humor do poeta, fazendo jorrar celestiais estrelas perfumadas
dentre as mãos mal fechadas da metaforizada fada.
J.A.R. – H.C.
Stéphane Mallarmé
(1842-1898)
Apparition
La lune s’attristait.
Des séraphins en pleurs
Rêvant, l’archet aux
doigts, dans le calme des fleurs
Vaporeuses, tiraient
de mourantes violes
De blancs sanglots
glissant sur l’azur des corolles.
– C’était le jour
béni de ton premier baiser.
Ma songerie aimant à
me martyriser
S’enivrait savamment
du parfum de tristesse
Que même sans regret
et sans déboire laisse
La cueillaison d’un
Rêve au coeur qui l’a cueilli.
J’errais donc, l’oeil
rivé sur le pavé vieilli
Quand avec du soleil
aux cheveux, dans la rue
Et dans le soir, tu m’es
en riant apparue
Et j’ai cru voir la
fée au chapeau de clarté
Qui jadis sur mes
beaux sommeils d’enfant gâté
Passait, laissant
toujours de ses mains mal fermées
Neiger de blancs
bouquets d’étoiles parfumées.
Aparição
(Odilon Redon: pintor
francês)
Aparição
A lua estava triste.
Arcanjos sonhadores
Em pranto, o arco nas
mãos, no sossego das flores
Aéreas, vinham tirar
de evanescentes violas
Alvos ais resvalando
entre o azul das corolas.
– Era o dia feliz de
teu primeiro beijo.
Para me torturar, meu
sonho, meu desejo
Embriagavam-se bem do
perfume de queixa
Que mesmo sem remorso
e sem motivo deixa,
No coração que o
colhe, a colheita de um sonho.
Eu ia à toa, o olhar
no chão velho e tristonho,
Quando trazendo nos
cabelos um sol lindo,
Na alameda e na tarde
apareceste rindo.
E eu julguei ver, com
seu chapéu de luz, a fada
Que nos meus sonhos
bons de criança mimada
Sempre deixou nevar
dentre as mãos mal fechadas
Punhados celestiais
de estrelas perfumadas.
Referência:
MALLARMÉ, Stéphane. Apparition /
Aparição. Tradução de Guilherme de Almeida. In: ALMEIDA, Guilherme de (Seleção
e tradução). Poetas de França.
Prefácio de Marcelo Tápia. 5. ed. São Paulo, SP: Babel, 2011. Em francês: p. 76;
em português: p. 77.
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