Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Marina Colasanti - Livres à noite

Com verve humorística, Colasanti compara o ato de uma mulher retirar o sutiã ao fim do dia, para liberar os seios reprimidos, com um navio que singra mares abertos, em cena que, presume-se, se passa no convencional espaço fechado da casa – de forma a resgatar questões de gênero, tão características de sua obra.

O poema suscita tanto a ideia de uma imposição moral da sociedade em compelir as mulheres a esconder os seios à mirada de terceiros, quanto a de fazê-las usar sutiãs que os aprumem e modelem, de forma a produzir um efeito erótico nem sempre confortável, considerando a falta de comodidade na indumentária então empregada.

J.A.R. – H.C.

Marina Colasanti
(n. 1937)

Livres à noite

Tirar o sutiã à noite
Quando o dia se acaba
E com ele o dever de rijos seios.
Tirar o sutiã à noite
Despir a couraça
A constrictor
A alheia pele.
Livrar-se de arames
Elásticos presilhas
Cortar com tesoura o wonderbra.

Toda noite a mulher regressa
Da cruzada
E liberta sua santa carne.
Descem as alças pelos ombros
As mãos se encontram nas costas
Soltando amarras
E na quietude do quarto
Os peitos
Como navios
Fazem-se ao largo.

Em: “Fino Sangue” (2005)

Reflexão: mulher deitada à cama
frente ao toucador
(Konstantin Razumov: pintor russo)

Referência:

COLASANTI, Marina. Livres à noite. In: __________. Fino sangue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2005. p. 80.

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