Com verve humorística, Colasanti compara o ato de uma mulher retirar o
sutiã ao fim do dia, para liberar os seios reprimidos, com um navio que singra
mares abertos, em cena que, presume-se, se passa no convencional espaço fechado
da casa – de forma a resgatar questões de gênero, tão características de sua
obra.
O poema suscita tanto a ideia de uma imposição moral da sociedade em
compelir as mulheres a esconder os seios à mirada de terceiros, quanto a de
fazê-las usar sutiãs que os aprumem e modelem, de forma a produzir um efeito erótico
nem sempre confortável, considerando a falta de comodidade na indumentária
então empregada.
J.A.R. – H.C.
Marina Colasanti
(n. 1937)
Livres à noite
Tirar o sutiã à noite
Quando o dia se acaba
E com ele o dever de
rijos seios.
Tirar o sutiã à noite
Despir a couraça
A constrictor
A alheia pele.
Livrar-se de arames
Elásticos presilhas
Cortar com tesoura o wonderbra.
Toda noite a mulher
regressa
Da cruzada
E liberta sua santa
carne.
Descem as alças pelos
ombros
As mãos se encontram
nas costas
Soltando amarras
E na quietude do
quarto
Os peitos
Como navios
Fazem-se ao largo.
Em: “Fino Sangue” (2005)
Reflexão: mulher deitada à cama
frente ao toucador
Referência:
COLASANTI, Marina. Livres à noite. In:
__________. Fino sangue. Rio de
Janeiro, RJ: Record, 2005. p. 80.
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