Um belo poema de Levertov sobre o dogma da encarnação, a relembrar-nos
que Cristo entre os homens representaria “o verbo que se fez carne”, segundo o preâmbulo
do Evangelho de João – consigne-se, uma das passagens mais bem escritas – digo
melhor, sob o ponto de vista literário – do Novo Testamento.
Uma pequena observação sobre a versão ao português da linha final do
poema: tem-se grafado, no original, a expressão “a Palavra”, que pelo sentido
dos versos imediatamente anteriores, refere-se a Cristo encarnado, enviado aos
homens como um “irmão”, como um “convidado”, levando a uma confrontação dúbia
no gênero das palavras, motivo que me levou a vertê-la como “o Verbo”, pois, em
nosso idioma, tudo resultaria no masculino: “convidado”, “irmão” e “o Verbo”.
Note-se que Levertov empregou o masculino “brother” e não “sister”, que
resultaria mais consentâneo com a expressão “the Word”, contudo mais distante
sobre o sentido do que se representa, sendo Jesus um homem.
J.A.R. – H.C.
Denise Levertov
(1923-1997)
On the Mystery of the Incarnation
It’s when we face for
a moment
the worst our kind
can do, and shudder to know
the taint in our own
selves, that awe
cracks the mind’s
shell and enters the heart:
not to a flower, not
to a dolphin,
to no innocent form
but to this creature
vainly sure
it and no other is
god-like, God
(out of compassion
for our ugly
failure to evolve)
entrusts,
as guest, as brother,
the Word.
O Nascimento à Noite
(Geertgen tot Sint
Jans: pintor holandês)
Sobre o Mistério da Encarnação
É quando, por um
momento, defrontamo-nos
com o pior que nossa
espécie é capaz de engendrar,
e estremecemos ao
saber da mácula em nós mesmos,
que a reverência rompe
a concha da mente e adentra
o coração: não em uma
flor, nem em um delfim,
nem em outra forma
inocente,
senão nesta criatura debalde
segura,
afim à imagem de Deus
como nenhuma outra,
e Deus (compadecendo-se
de nosso indecoroso
fracasso em evoluir),
confia-nos,
como convidado, como irmão,
o Verbo.
Referência:
LEVERTOV, Denise. On the mystery of the incarnation. In: __________. A Door in the Hive. New York, NY: New
Directions, 1989. p. 56.
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