A vida literária é assim: enquanto alguns detestam “Em Busca do Tempo
Perdido”, de Proust – a exemplo de Tom Disch –, outros cantam loas à extensa obra –
como, no presente caso, o literato e poeta carioca. Fazer o quê? Os gostos
diferem bastante leitor a leitor, muito embora haja um elenco de obras a formar
um pretenso cânone literário ocidental – aliás, em que a série do francês quase
sempre é inserta.
Por outro lado, há ainda terceiros que se valem da obra de Proust para, a
partir dela, fundar “novos mundos”: cito “Como Proust pode mudar sua vida”, do
suíço Alain de Botton, autor de livros que, por vezes, fazem-me lembrar os
moldes de diversos trabalhos de André Comte-Sponville ou mesmo de Luc Ferry,
ambos numa linha de filosofia mais aberta, voltada a difundir a matéria junto aos
leitores.
J.A.R. – H.C.
Cláudio Murilo Leal
(n. 1937)
Caderno de Proust
Marcel ilumina
pretéritos personagens
que os de corpo presente
são opacos.
O agro sabor da
mítica madalena
é uma lembrança que
atravessa portas e
janelas, despregando
cortiça e memória.
Alonga-se o
infindável parágrafo
para além dos enredos
– o caderno
recolhe resíduos sob
espécie de Romance.
Ontem, noites e dias
insepultos,
uma realidade
cúmplice.
Retornam miragens,
fantasias de infância,
confunde-se a grafia
dos relógios.
(Pêndulo de sombras e
silêncio.)
O leitor desvela o
mágico passado.
Em: “Caderno de Proust” (1982)
Boulevard Montmartre
(Camille Pissarro:
pintor francês)
Referência:
LEAL, Cláudio Murilo. Caderno de
Proust. In: SEFFRIN, André (Seleção e Prefácio). Roteiro da poesia brasileira: anos 50. 1. ed. São Paulo, SP:
Global, 2007. p. 215-216.
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