Trata-se aqui de um momento de contemplação persuasiva, mirando as águas
de um rio, cuja quietude configura um exemplo a pontificar contra a nossa vã
confiança na retórica: imóveis e frios na superfície, mas, por baixo, plenos de
energia e enredamentos.
Quando a vida transcorre num fluxo gelado, sugere o poeta que devemos nos
perguntar sobre os erros que cometemos, se aquilo com que tantas vezes andamos
à volta representa o real sentido da vida, sobre que diferença resultou o amor
ou o ódio das pessoas com quem convivemos.
Assim, poderemos vislumbrar as verdades ocultas sob as inquietações e o
burburinho do quotidiano, fazendo-nos concentrar nas perguntas cruciais: o que
realmente conta, perdura, tem relevância para uma vida feliz, sem peso favorável
aos arrependimentos, senão às realizações que, diante dos umbrais da morte, sejam
capazes de pender a libra para o lado da ventura?!
J.A.R. – H.C.
William Stafford
(1914-1993)
Ask Me
Some time when the
river is ice ask me
mistakes I have
made. Ask me whether
what I have done is
my life. Others
have come in their
slow way into
my thought, and some
have tried to help
or to hurt: ask me
what difference
their strongest love
or hate has made.
I will listen to what
you say.
You and I can turn
and look
at the silent river
and wait. We know
the current is there,
hidden; and there
are comings and
goings from miles away
that hold the
stillness exactly before us.
What the river says,
that is what I say.
Perto do Lago
(Pierre-Auguste
Renoir: pintor francês)
Pergunta-me
Nalgum dia, quando o
rio estiver gelado, pergunta-me
sobre os erros que
cometi. Pergunta-me se aquilo
de que me ocupei é
minha vida. Outros
lentamente vieram ter
em meu
pensamento, e alguns
tentaram me ajudar
ou magoar: pergunta-me
que diferença
fizeram o seu mais
forte amor ou o seu ódio.
Escutarei o que tens
a me dizer.
Tu e eu podemos dar a
volta, contemplar
o rio silencioso
e esperar. Sabemos
que ali está a
corrente, oculta; e há
ida e vindas desde
milhas distantes
que sustentam a
quietude exatamente diante de nós.
O que diz o rio, isso
é o que digo.
Referência:
STAFFORD, William. Ask me. In: BREHM,
John (Ed.). The poetry of impermanence,
mindfulness and joy. Somerville, MA: Wisdom Publications, 2017. p. 156.
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