Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 16 de novembro de 2019

Lélia Coelho Frota - Arte de Partir

Nessa combinação de palavras que mais parecem decorrentes de um processo de livre associação, não se consegue concluir, terminantemente, a qual partida a poetisa se refere, se a alguma que separe os pais dos filhos, o(a) amante da(o) amada(o) ou, mesmo, a mais peremptória de todas as partidas, o óbito, eis que sem volta.

Dado o conteúdo imaginativo e virginal dos versos do poema, conjecturei tratar-se de uma forma de retratar a partida de Santa Claus, em meio ao inverno rigoroso, arrastado por suas renas, depois de haver suprido a sua missão entre a petizada, num enlevo ainda mais pronunciado pelas baladas da época.

J.A.R. – H.C.

Lélia Coelho Frota
(1938-2010)

Arte de Partir

Conclua-se em levez
todo enternecimento –
transitem os velados
suspiros pela neve
(sei que o menor ruído
perturbaria a indústria
do sonho que se fia
nos espelhos do encanto).
E que o desprendimento
além de leve, breve
maior seja o sorriso
que se diverte e foge
desamorosamente
em máquinas azuis
para o melhor país
das minas de alcaçuz.
Ah os nimbos de açúcar
corredeiras de mel
pastam pelas colinas
ovelhinhas sem fel
pois no mês mais algoz
cai sorvete do céu.
Desfilam serelepes
assim desenlaçados
do terrível contrato
de seu vocabulário
e seu puro delírio
infantes menestréis.
Urge que se reforme
o código de adeuses –
não mais cambraias pálidas
na tarde lancinante
e a lâmina da lágrima
suspensa no silêncio.
Se o longínquo detém
numa fotografia
perfeita na memória
quem se ausenta uma vez
que se faça de leve
sua separatória.

(Imperceptivelmente
nossa frágil vitória.)

Menina com um pássaro
(Emile Auguste Hublin: pintor francês)

Referência:

FROTA, Lélia Coelho. Arte de partir. In: __________. Poesia reunida: 1956-2006. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bem-Te-Vi, 2012. p. 201-202.

Nenhum comentário:

Postar um comentário