Nessa combinação de palavras que mais parecem decorrentes de um processo
de livre associação, não se consegue concluir, terminantemente, a qual partida
a poetisa se refere, se a alguma que separe os pais dos filhos, o(a) amante da(o)
amada(o) ou, mesmo, a mais peremptória de todas as partidas, o óbito, eis que
sem volta.
Dado o conteúdo imaginativo e virginal dos versos do poema, conjecturei
tratar-se de uma forma de retratar a partida de Santa Claus, em meio ao inverno
rigoroso, arrastado por suas renas, depois de haver suprido a sua missão entre
a petizada, num enlevo ainda mais pronunciado pelas baladas da época.
J.A.R. – H.C.
Lélia Coelho Frota
(1938-2010)
Arte de Partir
Conclua-se em levez
todo enternecimento –
transitem os velados
suspiros pela neve
(sei que o menor
ruído
perturbaria a
indústria
do sonho que se fia
nos espelhos do
encanto).
E que o
desprendimento
além de leve, breve
maior seja o sorriso
que se diverte e foge
desamorosamente
em máquinas azuis
para o melhor país
das minas de alcaçuz.
Ah os nimbos de
açúcar
corredeiras de mel
pastam pelas colinas
ovelhinhas sem fel
pois no mês mais
algoz
cai sorvete do céu.
Desfilam serelepes
assim desenlaçados
do terrível contrato
de seu vocabulário
e seu puro delírio
infantes menestréis.
Urge que se reforme
o código de adeuses –
não mais cambraias
pálidas
na tarde lancinante
e a lâmina da lágrima
suspensa no silêncio.
Se o longínquo detém
numa fotografia
perfeita na memória
quem se ausenta uma
vez
que se faça de leve
sua separatória.
(Imperceptivelmente
nossa frágil
vitória.)
Menina com um pássaro
(Emile Auguste Hublin:
pintor francês)
Referência:
FROTA, Lélia Coelho. Arte de partir.
In: __________. Poesia reunida: 1956-2006.
1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bem-Te-Vi, 2012. p. 201-202.
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