Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Lya Luft - O meu amado tinha tantas manias

De uma recolha toda ela, praticamente, dedicada à dor sentida por Lya ao perder o companheiro, extraí este poema, a confidenciar certas coisas que se passam na relação íntima entre cônjuges, acertos e desacertos, vestígios do modo de ser de cada parceiro, jamais em sintonia completa com o “tipo ideal” criado na mente do outro.

Confesso que, por certo zelo em possuir aquela que, sob o meu ponto de vista, parecia a “melhor edição”, cheguei a comprar alguns títulos repetidos, talvez não mais que quatro ou cinco em toda a vida – mas nunca em um só mês, como no caso do companheiro da escritora gaúcha. Quanto a perder as coisas – canetas, lapiseiras, borrachas, marcadores –, dele não difiro em nada: quem sabe não seria uma particularidade dos homens?!

J.A.R. – H.C.

Lya Luft
(n. 1938)

O meu amado tinha tantas manias

o meu amado tinha tantas manias:
perdia canetas, lápis, chaves.
Houve um livro que comprou três vezes em um mês:
depois encontramos todos e mais um sob velhos jornais.
Mandei fazer uma estante nova para organizar seus
livros:
mas quando ele se foi, mais que livros havia ali de novo
jornais.
Nunca sabia bem por que os guardara. Eram parte do
seu ninho,
como nossos lençóis e os móveis da sala.
Não conseguia sentar-se mais que meia hora para escrever:
vinha ao meu escritório, usava de pretextos para me
distrair,
dava um beijo, fazia confidências, comentava assuntos
do dia.
Quando me via triste, dizia entre compassivo e magoado:
“Você hoje está numa melancolia profunda?”
Certa vez discutimos, e ele deixou sobre minha máquina
de escrever
um bilhete de amor.

Nunca tivemos mais que vinte anos.

Na Biblioteca
(John Watkins Chapman: pintor inglês)

Referência:

LUFT, Lya. O meu amado tinha tantas manias. In: __________. O lado fatal. 5. ed. São Paulo, SP: Siciliano, 1993. p. 23.

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