A poetisa mineira se volta contra um modo de fazer poesia atrelado às
formalidades prescritas por movimentos ou escolas literárias, sob a estrita
batuta de fórmulas ou programas que buscam teorizar, racionalmente, quer a
porção da realidade objeto de suas investidas, quer o feitio e as diretivas sob
as quais o poema há de ser produzido. Para ela, nada mais despiciendo, porque
lhe parece que é a experiência mesma do que se vive que há de ser a matéria
primordial do poema.
Nas linhas do metapoema, como sempre, as mesmas provocações eróticas, os
mesmos reptos irônicos, desta feita direcionados aos poetas que, com muitas
regras e limitada inspiração, ficam a excitar as musas na ardência do dia, com
a lascívia a brotar nas terminações nervosas do prepúcio, quando, então, um
pouco mais à frente, “começam a fosforescer coisas no mato”.
J.A.R. – H.C.
Adélia Prado
(n. 1935)
A Formalística
O poeta cerebral
tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete
concentrar-se.
Seu lápis é um
bisturi
que ele afia na
pedra,
na pedra calcinada
das palavras,
imagem que elegeu
porque ama a dificuldade,
o efeito respeitoso
que produz
seu trato com o
dicionário.
Faz três horas já que
estuma as musas.
O dia arde. Seu
prepúcio coça.
Daqui a pouco começam
a fosforescer coisas no mato.
A serva de Deus sai
de sua cela à noite
e caminha na estrada,
passeia porque Deus
quis passear
e ela caminha.
O jovem poeta,
fedendo a suicídio e
glória,
rouba de todos nós e
nem assina:
‘Deus é impecável’.
As rãs pulam
sobressaltadas
e o pelejador não
entende,
quer escrever as
coisas com as palavras.
O Pintor nos Bosques
(Ivon Hitchens:
pintor inglês)
Referência:
PRADO, Adélia. Formalística. In:
__________. Poesia reunida. 3. ed.
São Paulo, SP: Siciliano, 1991. p. 376.
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