Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Adélia Prado - Formalística

A poetisa mineira se volta contra um modo de fazer poesia atrelado às formalidades prescritas por movimentos ou escolas literárias, sob a estrita batuta de fórmulas ou programas que buscam teorizar, racionalmente, quer a porção da realidade objeto de suas investidas, quer o feitio e as diretivas sob as quais o poema há de ser produzido. Para ela, nada mais despiciendo, porque lhe parece que é a experiência mesma do que se vive que há de ser a matéria primordial do poema.

Nas linhas do metapoema, como sempre, as mesmas provocações eróticas, os mesmos reptos irônicos, desta feita direcionados aos poetas que, com muitas regras e limitada inspiração, ficam a excitar as musas na ardência do dia, com a lascívia a brotar nas terminações nervosas do prepúcio, quando, então, um pouco mais à frente, “começam a fosforescer coisas no mato”.

J.A.R. – H.C.

Adélia Prado
(n. 1935)

A Formalística

O poeta cerebral tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
o efeito respeitoso que produz
seu trato com o dicionário.
Faz três horas já que estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça.
Daqui a pouco começam a fosforescer coisas no mato.
A serva de Deus sai de sua cela à noite
e caminha na estrada,
passeia porque Deus quis passear
e ela caminha.
O jovem poeta,
fedendo a suicídio e glória,
rouba de todos nós e nem assina:
‘Deus é impecável’.
As rãs pulam sobressaltadas
e o pelejador não entende,
quer escrever as coisas com as palavras.

O Pintor nos Bosques
(Ivon Hitchens: pintor inglês)

Referência:

PRADO, Adélia. Formalística. In: __________. Poesia reunida. 3. ed. São Paulo, SP: Siciliano, 1991. p. 376.

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