Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Jorge Luis Borges - A Felicidade

A alegria recém-descoberta do amor, como uma força capaz de renovar o mundo: tudo acontece sempre pela primeira vez, porém de modo eterno. Estamos, então, no momento da criação, motivo pelo qual Borges lança mão dos mitos do Gênesis e de outras culturas milenares para, através deles, formular a sua própria hermenêutica sobre o estado de felicidade.

Todas as histórias têm origem no ponto zero em que se começa a contar o tempo, tal qual o Ganges que foi ontem, corre hoje e perdurará em seu fluxo por longos dias, os quais, no futuro, serão momento presente para quem o estiver a contemplar. E nem se há de dizer que os fatos se repetem, pois cada um sobrevém em sua singularidade.

J.A.R. – H.C.

Jorge Luis Borges
(1899-1986)

La Dicha

El que abraza a una mujer es Adán. La mujer es Eva.
Todo sucede por primera vez.
He visto una cosa blanca en el cielo. Me dicen que es la
luna, pero qué puedo hacer con una palabra y con uma
mitología.
Los árboles me dan un poco de miedo. Son tan hermosos.
Los tranquilos animales se acercan para que yo les diga
su nombre.
Los libros de la biblioteca no tienen letras. Cuando
los abro surgen.
Al hojear el atlas proyecto la forma de Sumatra.
El que prende un fósforo en el oscuro está inventando
el fuego.
En el espejo hay otro que acecha.
El que mira el mar ve a Inglaterra.
El que profiere un verso de Liliencron ha entrado en la
batalla.
He soñado a Cartago y a las legiones que desolaron
a Cartago.
He soñado la espada y la balanza.
Loado sea el amor en el que no hay poseedor ni poseída,
pero los dos se entregan.

Loada sea la pesadilla, que nos revela que podemos crear
el infierno.
El que desciende a un río desciende al Ganges.
El que mira un reloj de arena ve la disolución de um
imperio.
El que juega con un puñal presagia la muerte de César.
El que duerme es todos los hombres.
En el desierto vi la joven Esfinge, que acaban de labrar.
Nada hay tan antiguo bajo el sol.
Todo sucede por primera vez, pero de un modo eterno.
El que lee mis palabras está inventándolas.

En: “La Cifra” (1981)

Chamas da Felicidade
(Leonid Afremov: pintor israelense)

A Felicidade

Quem abraça uma mulher é Adão. A mulher é Eva.
Tudo acontece pela primeira vez.
Avistei uma coisa branca no céu. Dizem-me que é a lua,
mas o que posso fazer com uma palavra e uma mitologia...
As árvores dão-me um pouco de medo. São tão formosas.
Os mansos animais se aproximam para que eu lhes diga
seu nome.
Os livros da biblioteca não têm letras. Quando os abro,
surgem.
Ao folhear o atlas projeto a forma de Sumatra.
Quem acende um fósforo no escuro está inventando
o fogo.
No espelho há outro à espreita.
Quem olha para o mar vê a Inglaterra.
Quem profere um verso de Liliencron já entrou na
batalha.
Sonhei Cartago e as legiões que desolaram Cartago.
Sonhei a espada e a balança.
Louvado seja o amor em que não há possuidor nem
possuída, mas dois que se entregam.
Louvado seja o pesadelo, por nos revelar que podemos
criar o inferno.
Quem desce a um rio desce ao Ganges.
Quem olha um relógio de areia vê a dissolução de um
império.
Quem brinca com um punhal pressagia a morte de César.
Quem dorme é todos os homens.
No deserto vi a jovem Esfinge, que acabam de lavrar.
Não há nada tão antigo sob o sol.
Tudo acontece pela primeira vez, porém de modo eterno.
Quem lê minhas palavras está inventando-as.

Em: “A Cifra” (1981)

Referência:

BORGES, Jorge Luis. La dicha / A felicidade. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: __________. Poesia. Edição bilíngue. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009. Em espanhol: p. 586-587; em português: p. 321-322.

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